RODRIGO FONSECADepois de três anos de espera, enfim chegará ao circuito o poema de amor À Sombra de Duas Mulheres (L'Ombre des Femmes, 2015), de Philippe Garrel. É o melhor longa-metragem dele desde a obra-prima Amantes Constantes (2005). E tem estreia prevista aqui para 26 de abril. Um trabalho posterior do cineasta, Amante por um Dia (2017), está em cartaz em nossas telas já e merece ser visto com carinho. Ambos saem pela Fênix, distribuidora que anda fazendo um trabalho primoroso na manutenção da obra de diretores autorais (Agnès Varda, Jim Jarmusch) em cinemas nacionais.
Embalado na trilha sonora de Jean-Louis Aubert e na narração de Louis Garrel (o filho e muso de Philippe), L'Ombre Des Femmes é um triângulo amoroso que atomiza o machismo ao levantar uma bandeira de equalização na libido dos homens e das mulheres. Na visão do diretor, ambos os sexos têm fome (e direitos) para desejar com quantidade e qualidade, apesar de a moral ocidental propor que só o macho da espécie tem licença para o cogito anticartesiano "Cobiço, logo existo". Fruto tardio da Nouvelle Vague, surgido na esteira das experiências de Godard, Chabrol, Truffaut e cia., Garrel, nascido em Paris a 6 de abril de 1948, comanda aqui uma trupe de peso: Clotilde Courau, Stanislas Merhar e Lena Paugam -, que refletem sobre afeto ao longo de 73 minutos enxutos minutos, cravados na precisão de um roteiro com a prosódia cinéfila de Jean-Claude Carrière (O Discreto Charme da Burguesia). O mítico dramaturgo e roteirista é coautor deste soluçante script com Garrel, Arlette Langmann e Caroline Deruas.
Na trama, o documentarista Pierre (Stanislas, numa atuação impecável) leva uma vida de tropeços financeiros ao lado da mulher, Manon (Clotilde), a quem já amou loucamente, mas que, hoje, virou mais uma parceira profissional. Ela é assistente e roteirista de seus docs, em especial um sobre um velhinho que participou da Resistência Francesa durante a ocupação do país pelos nazistas na Segunda Guerra. Tudo caminha na mesmice para Manon e Pierre até que ele conhece uma estagiária de um arquivo de filmes, Elizabeth (Lena Paugam, com feições modiglianescas). Ali, tudo muda, pois Pierre não resiste ao abrir de pernas de Elizabeth, que, de transa em transa, vira mais do que um objeto sexual.
Cega de afeto pelo amante, ciente do casamento dele, Elizabeth passa a segui-lo para saber quem é Manon e, numa de suas espionadas, descobre que esta também vive um romance extraconjugal. A tentação de revelar a verdade a Pierre conduz L'Ombre Des Femmes por caminhos tortuosos de dramaturgia, promovendo um (psic)análise da fragilidade dos machos do Ocidente, como é de costume ao diretor. Aliás, Garrel é famoso por andar pelas ruas de Paris carregando um exemplar das obras completas de Freud nas mãos, quase sempre o que traz o texto Totem e Tabu.
Mesmo nos momentos mais intelectualizados, nos quais o diretor assume fades como parte da narrativa, para provocar distanciamento crítico na plateia, L'Ombre Des Femmes não perde seu lado lírico nem abandona sua crença no amor romântico. Para Garrel, no auge de seus 69 anos, essa doçura parece algo atípico. É recente sua gravitação por terrenos menos políticos e mais existenciais, como se vê desde o subestimado A Fronteira da Alvorada, que saiu vaiado de Cannes em 2008. Mas há nessa mudança um frescor que sublinha seu estilo (marcado pela hegemonia do plano-sequência, por falação sem fim com a câmera á altura do ombro dos personagens e por diálogos sobre o supérfluo) mas mostra uma vontade de renovação pela imagem de uma França jovem, meio perdida, porém apaixonada e apaixonante.