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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Filmes sobre amar e nadar fecham a Première Brasil nas raias do encanto

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Belos planos fotografados por Heloísa Passos alimentam a força narrativa de "Mulher do Pai", rodado nas cercanias do Uruguai por Cristiane Oliveira  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECAAberta com uma jornada feminina de autodescoberta (Vermelho Russo), a Première Brasil do Festival do Rio 2016 concluiu na noite de quinta sua seleção competitiva - a mais vigorosa desta década - de regresso ao ponto de partida, ou seja, às feminices e às suas complexidades, com um maduro exercício de desafio ao silêncio: Mulher do Pai. Dirigido pela estreante gaúcha Cristiane Oliveira na fronteira com o Uruguai, este drama versa sobre uma adolescente, Nalu (Maria Galant), em processo de reeducação afetiva com seu pai cego (Marat Descartes, sempre impecável) e com a atual paquera deste, sua professora de Artes, Rosário (Verônica Perrotta, a melhor atriz coadjuvante de todo o evento). Nada se sabia sobre ele, fora a certeza do bom rendimento de sua diretora em curtas (Messalina e Hóspedes) e da habilidade de Marat em incendiar a tela. Mas ao longo de 94 silenciosos minutos, o Roxy comungou do evangelho da readequação sentimental, relembrando como feridas viram cicatrizes no processo de amadurecimento da juventude, regado a hormônios e desilusões.

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Ambientado numa instância no Sul do país, Mulher do Pai esgarça o Tempo no moenda muito parecida com a usada pelo cinema argentino, evocando cults como Kamtchatka (2002), só que sem qualquer tônus político, ou El Último Verano de la Boyita (2009): ou seja, desfia-se nele um rosário de relações. Marat vive Ruben, um ex-desenhista que perdeu a visão aos 20 e poucos anos por uma doença, como um sujeito xucro, acostumado a dar ordens às mulheres que o cercam, refugiando-se no zumzum de seu rádio de pilha. A morte de sua mãe (Amélia Bittencourt) vai tirá-lo, de modo parcial de sua inércia, conforme aprende a lidar com a chegada de um amor, Rosário, e a domar as tempestades hormonais de Nalu. A jornada dele é retilínea e curta: é sair da toca. Já a jornada de Nalu segue uma curva com arquitetura de quebra-molas: sai e volta para as convicções herdadas da finada avó, enquanto aprende a conjugar o verbo "amar".

Pai e filha: Marat Descartes e Maria Galant  Foto: Estadão

Viradas, o filme tem poucas. Não é uma estrutura clássica, de três atos, de redenção: é um filme com a lucidez de perceber que os ganhos da vida muitas vezes chegam como migalhas, enquanto as perdas nos aparecem como banquetes de fel. Em sua estreia no posto de realizadora de longas, Cristiane faz um registro dessa liturgia irretrocedível de perder e ganhar como uma dinâmica da existência. E o faz com desenvoltura, apoiada nos enquadramentos cerzidos a delicadeza da fotógrafa Heloísa Passos (faminta pela força daquele céu sulista), e com charme, seduzindo-nos pela simplicidade e pela paixão nos tempos de madureza entre Rosário e Ruben.

Igualmente saboroso - e oportuno - foi o fato de a competição da Première ter deixado para o fim seu melhor (disparadamente) curta-metragem: O Homem da Raia do Canto, um aperitivo sabor Truffaut para o que Cibele Santa Cruz pode alcançar caso passe a filmar mais, investindo na força de jovens atores. Apesar da força dos longas, os filmes de até 20 minutos do Festival do Rio deixaram muito a desejar até aqui, com exceção para o .doc (com tintas ficcionais) Se Por Acaso, de Pedro Freire, e o desenho O Ex-Mágico, de Olímpio Costa (que se segura mais na direção de arte). Mas o elétrico exercício truffautiano em tamanho mignon de Cibele durou mais nas retinas e no peito ao seguir (até debaixo d'água) os esforços de um designer quarentão (Cadú Fávero, um ator a quem o cinema deveria prestar mais atenção), fã de natação, para ser fazer enxergar pelo Querer num Rio onde todos estão afogados na desatenção. Boa de risos e boa de curtas, Georgiana Góes é a Fanny Ardant desta love story glub glub.

 

Os ganhadores do Redentor serão conhecidos neste domingo, às 18h.

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No mundo ideal, aqui para o P de Pop, a premiação da Première Brasil 2016 seria assim:

Filme: Redemoinho, de José Luiz Villamarim

Documentário: A Luta do Século, de Sérgio Machado

Curta: O Homem da Raia do Canto, de Cibele Santa Cruz

Diretor de ficção: Cristiana Oliveira (Mulher do Pai) e Eliane Caffé (Era o Hotel Cambridge)

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Diretor de documentários: Marcos Prado (Curumim)

Prêmio Especial do Júri: Sob Pressão, de Andrucha Waddington

Menção honrosa: para as atrizes Camila Amado (Redemoinho) e Suely Franco (Era o Hotel Cambridge) e para o ator Nelson Xavier (Comeback), que fazem da experiência uma forma de constante renovação para a interpretação no cinema.

Atriz: Karine Telles (Fala Comigo)

Ator: José Dumont (Era o Hotel Cambridge)

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Atriz coadjuvante: Verônica Perrotta (Mulher do Pai)

Ator coadjuvante: Ícaro Silva (Sob Pressão)

Roteiro: George Moura (Redemoinho) + Martha Nowill e Charly Braun por Vermelho Russo

Fotografia: Walter Carvalho (Redemoinho)

Montagem: Luisa Marques (Fala Comigo)

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