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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Esquadra mineira faz o Festival de Brasília ferver

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Exibido em Roterdã e San Sebastián, com louvor, "A Cidade Onde Envelheço" fez sua estreia nacional via Brasília e ganhou quatro troféus, inclusive o de melhor filme  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

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Urgência e gravidade, um binômio político, fizeram de Martírio, filme-piquete de Vincent Carelli (colaborado por Ernesto de Carvalho e Tita, com CEP do DF) sobre os índios Guarani Kaiowá, o longa-metragem de maior e mais aquecido boca a boca do 49º Festival de Brasília, que vive noites de brilho com a novíssima produção das Minas Gerais. Sexta, uma esquadra mineira tomou o Cine Brasília, centro nervoso do evento, oxigenando nossa percepção sobre a progressão aritmética e geométrica de nosso cinema com exercícios de reflexão sobre formas de acomodação na geografia dos afetos. Primeiro veio um (senhor) curta filmado pertinho de Itabira, numa estrutura de road movie, sobre conexões improváveis entre pessoas falantes de línguas distintas:Constelações, de Maurílio Martins. Na trama, temos duas almas danadas, sendo uma ao volante e outra no banco do carona. O motorista fala um português com sotaque MG (refletindo sobre a morte de um amigo ou conversando com a mulher com quem tem um passivo romântico). A caronista fala algo de escandinavo, desabafando também sua intimidade ao estranho que a acolheu. Temos uma viagem de duplo rastreio existencial, com um domínio dos planos invejável, sobretudo em sua ginástica de contraplanos. E depois dele veio o longa: A Cidade Onde Envelheço, de Marília Rocha.

Exibido no Festival de San Sebastián, que chega ao fim neste sábado na Espanha, o novo trabalho da diretora do metafísico Aboio (2005) tem os pés bem fincados em dois solos: o do desterro e o da cumplicidade. Em seu enredo, duas mulheres egressas de Portugal fazem de um apartamento hiponga em Belo Horizonte um ponto de reencontro. Para uma delas, a dionisíaca Tereza (a idílica Elizabete Francisca), sempre risonha, encantada com as bandas e o álcool mineiros, tudo é um prazer e um sabor de novidade. Mas para sua anfitriã em território brasileiro, Francisca (vivida com olhares de ressaca por Francisca Manuel), o lar em BH já virou um cansaço, uma acomodação, uma equação de resultado esperado. E mais (e pior)... há em Francisca uma cadeira cativa para a solidão. Dividir o espaço - sobretudo com alguém que ocupa tanto de tudo - vai se tornando um suplício, embora ela nunca deixe os excessos de temperatura e pressão lhe trespassarem. Tudo no longa de Marília engatinha no chão da delicadeza. Não existem transbordamentos, talvez apenas na audição de um LP de Jards Macalé, em um sebo de rua.

Talvez numa ampliação das pesquisas sobre convivências e tolerâncias de seu potente A Falta Que Me Faz (2009), a cineasta mineira tenha encontrado um caminho único, de equilíbrio, na retratação das azias do espírito. Sua narrativa é um pinball onde os quiques e empuxos dos objetos (dos protagonistas) correm a esmo das lógicas de causa e efeito. Nem toda ação de Tereza arrancará de Francisca uma reação específica, previsível, até pelo fato de a anfitriã ter uma Europa de sentimentos enlodados dentro de si. Ambas têm pesos. Ambas têm sofrências. E ambas são interpretadas pelas lusas com um grau de entrega que vai nos cativando cena a cena. É um filme de sabor, mais do que digno de um prêmio dividido de melhor atriz (para Elizabete e para Francisca).

Tem MG outra vez neste sábado, com Estado de Exceção, de Ana Carolina Soares, e Elon Não Acredita na Morte, com Lourenço Mutarelli no elenco.

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Ainda neste sábado, a questão indígena volta ao foro, com Antes o Tempo Não Acabava, de Fábio Baldo e Sérgio Andrade, centrado na educação sentimental de um jovem de uma tribo de Manaus, às voltas com a sexualidade e com imposições relativas às tradições de seu povo. Sua passagem pela Berlinale, em fevereiro, na seção Panaorama, foi consagradora, menos por fascínios antropológicos e mais pela urdidura precisa de seu roteiro.

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