Foto do(a) blog

De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Didi celebra o Natal na 'Sessão da Tarde'

PUBLICIDADE

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Didi lidera a trupe de "Os Saltimbancos Trapalhões Rumo a Hollywood"  Foto: Estadão

Rodrigo FonsecaÉ Natal, dia de presente. Para fazer jus à tradição natalina da troca de regalos, a Rede Globo dá uma de Bom Velhinho e oferece a seus espectadores uma Sessão da Tarde inesquecível, com o filme que marcou o regresso de Renato Aragão aos cinemas após um hiato de quase nove anos. Às 15h, o Plim Plim exibe Os Saltimbancos Trapalhões: Rumo a Hollywood, que passou pelo circuito nacional em janeiro deste ano. Quem pilota esta séria brincadeira é João Daniel Tikhomiroff, diretor de publicidade mais premiado no país, que passou a cineasta em 2009 com Besouro, filme de ação que valeu a ele aplausos no Festival de Berlim e meio milhão de pagantes por aqui.

Apoiado na presença do maior mito masculino do cinema brasileiro desde Oscarito, o clown de cara limpa que Aragão é, Os Saltimbancos Trapalhões: Rumo a Hollywood carrega, por baixo de sua casquinha crocante de encantamento, um frescor que faltava para irrigar o solo há anos esturricado do cinema infantojuvenil brasileiro. Há indícios de que esta seara - na qual Didi reinou soberano nos anos 1970 e 80 - vá verdejar de novo, sob esforços como o da franquia Carrossel, do vindouro Pluft, o Fantasminha e de D.P.A. - O Filme. A maior contribuição que esta mistura azeitada de aventura, comédia, música e circo dá à faixa de dentes de leite do circuito nacional está em sua aposta no lúdico, devolvendo às nossas telas um lirismo nas raias do onírico, coerente com o imaginário universal da infância (não importa a que geração ela pertença, seja ela a infância pé no chão ou a infância conectada via web) e com o imaginário do Cinema. Aliás, é aí que vive a beleza maior deste filme que amplia substancial e poeticamente - de maneira raramente vista - a figura de Didi, para além de sua faceta chapliniana: Tikhomiroff, apoiado no roteiro de Mauro Lima (diretor de Meu Nome Não é Johnny), presta um tributo ao encanto do Cinema, começando por uma homenagem a Os Saltimbancos original, de 1981. O "Rumo a Hollywood" no título já deixa isso claro.]

PUBLICIDADE

Não há como se encarar o filme atual como um remake do clássico de J. B. Tanko, que é considerado pela crítica, com unanimidade, o mais inspirado momento de Aragão nas telas. É um equívoco classificar o filme de Tikhomiroff como refilmagem da fita dos anos 1980, decalcada do espetáculo de Chico Buarque, Luis Bacalov e Sérgio Bardotti, até porque, entre eles, em 2014, houve um musical homônimo para os palcos, urdido pela dupla Charles Möeler e Cláudio Botelho, com um distanciamento histórico e estético do que foi feito há três décadas. O filme atual também não deve ser visto como uma adaptação da peça. Ele é um procedimento distinto - e mais sofisticado. É algo que seria melhor definido como "revisita", um conceito comum à teoria literária para romances que revisitam prosas anteriores, e que foi aplicado no cinema por Manoel de Oliveira no rascante em Belle Toujours (2006) ao "revisitar" A Bela da Tarde (1967), de Buñuel.

 

 

Publicidade

Dedé, também de volta, assume (bem) um posto de comentador, fazendo réplicas, tréplicas e troças das palavras de seu amigo. Numa condição de "oponente", de doce oponente, entra o eterno Sargento Pincel, o comediante Roberto Guilherme, para ser o Barão, tendo à sua direita (mas uma direita do Mal) o atirador de facas Satã (Marcos Frota) e a femme fatale Tigrana, confiada a uma inspiradíssima Alinne Moraes, que achou na maldade um ambiente para usar e abusar de suas ferramentas cênicas, até cômicas. E há um vilão bem definido, que, se não fosse pelo carisma tamanho GG de Aragão, perigava roubar o filme pra si: Nelson Freitas, brilhante na pele e no sotaque capirão do Prefeito Aurélio Gavião, o elemento que introduz a corrupção e questões mais contemporâneas (expropriação de terras, mamatas) ao idílico universo dos Trapalhões.

 

Em Os Saltimbancos de Tanko havia uma relação platônica de amor entre Didi e Karina, que volta aqui bem defendida por Letícia Colin, cuja inteligência cênica reduz na medida certa os coeficientes trágicos e melodramáticos de mocinha de sua personagem, a fim de fazer dela uma heroína mais contemporânea. Karina é uma administradora recém-formada que volta ao circo para reaver o aconchego do abraço do pai, o Barão, e o colo do amigo Didi, que a enxerga com um carinho paternal. Os componentes românticos foram concentrados no enrabichamento de Karina pelo motoqueiro Frank (o ótimo Emílio Dantas, retomando um tom épico que talhou para si no subestimado filme Leo e Bia) e na paixão de uma jovem integrante do circo, Luiza (Livian Aragão, com um jeitnho Meg Ryan de sorrir), por um acrobata recém-chegado (Rafael Vitti). Com o amor no lugar certo, há espaço de sobra - mas na medida, graças à montagem lépida de Letícia Giffoni - para que a trama se desdobre no embate de Didi para tirar o circo do vermelho, debelando os esquemas de Gavião.

 

No ambiente circense, a direção de arte de Cláudio Amaral Peixoto se lambuza nas cores para criar um ambiente vivo, com as sombras de nostalgia da era de ouro dos espetáculos de picadeiro. Já as cenas de Gavião tem uma ambientação com elementos mais ocres, de cores saturadas, retratando o peso trágico daquela figura nefasta. Tudo isso sobressai na fotografia de Hélcio "Alemão" Nagamine, uma das mais inspiradas deste artista da lente que já dera o melhor de si em Se Deus Vier, Que Venha Armado (2013). Nagamine quebra com o pacto de realismo do visual dos filmes clássicos dos Trapalhões. Este Os Saltimbancos Rumo a Hollywood não busca o real e sim o sonho, usando a ilusão do Cinema como sua matéria-prima, fazendo jus a seu moto primeiro: a figura de Aragão. Afinal de contas, se existe um sinônimo pro verbo "sonhar" típico do cinema brasileiro foi Ranatão Aragão que o inventou.

p.s.: Nesta segunda de Natal, às 22h20, a Globo dedica sua Tela Quente à delícia Guardiões da Galáxia (2014).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.