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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Clássico, careta, mas comovedor: 'Alone in Berlin'

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Emma Thompson e Brendan Gleeson vivem um casal em combate contra o nazismo em "Alone in Berlin": na dusputa pelo Urso de Ouro, com força para premiar seus atores Foto: Estadão

Acalantado por palmas de um lado e gongado por uivos do outro, Alone in Berlin, um drama ambientado durante a II Guerra Mundial e dirigido pelo galã suíço Vincent Perez, foi o alvo do maior racha de opiniões de toda a 66ª edição do Festival de Berlim, desde sua abertura, no dia 11, com o marromeno Ave, César, dos irmãos Coen. Muitos longas-metragens aqui exibidos dividiram ânimos, a começar pelo favorito na disputa pelo Urso de Ouro: o doc  italiano Fuocoammare, de Gianfranco Rosi, sobre refugiados africanos. Mas nenhum cisma foi igual ao que se viu ao fim da projeção matinal da produção protagonizada por uma Emma Thompson em estado de graça, ao lado de um igualmente devastador Brendan Gleeson. Como o talento de ambos já é prestigiado há anos, já se esperava da sessão, no mínimo, duas boas atuações: mas veio algo maior e mais doloroso, na reconstituição da história real do casal Quangel. Entre 1940 e 42, Otto e Elisa (no filme é Anna) espalharam secretamente por toda a capital alemã cartas difamando Hitler e seu governo pelo descuido com seus soldados. A razão disso: o filho deles foi morto em combate. O plot é um convite a um desenho heróico, tracejado com elegância pela direção de Perez. Mas como a abordagem é na linha clássica, com começo, meio e fim bonitinhos no seu lugar, com experimentações zero e música a regar toda a duração de 97 minutos, a ala mais xiita da crítica chiou. Chiou também contra o fato de uma trama tão germânica ter sido falada em inglês.

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Mas bafafá à parte, interessa mais saber que esta recriação histórica se beneficia da língua de Shakespeare para pode arrancar de Gleeson e de Emma o que eles têm de melhor. Perez usou como referência para o filme um romance publicado pelo escritor Hans Fallada em 1947, com base em arquivos confidenciais sobre os Quangel retirados dos acervos da Gestapo, a polícia secreta da Alemanha. O livro já havia sido filmado antes, sendo a versão mais conhecida uma de 1976, rodada por Alfred Voher. Mas os dois astros aqui ajudaram seu realizador a fazer algo mais do que um conto moral sobre bravura: com uma química de escorrer mel, os astros exploram uma camada romântica na relação dos Quangel. Sem razão de viver após a perda de seu filho, Anna redescobre o valor do amor ao perceber que seu marido, um operário de pouca instrução escolar, apela para as palavras para debelar o jugo hitlerista. A luta dele dá a ela um novo alento. Com isso, a dramaturgia se fortalece.

Dupla de protagonistas atenua o classicismo do longa Foto: Estadão

Com uma escancarada vocação para virar "filme de Oscar", com seu perfil populista e suas estratégias discursivas quase didática, Alone in Berlin começa mal e segue nas raias da cafonice até os primeiros 20 minutos, quando Gleeson e Emma encontram um tom... e a direção de fotografia de Christophe Beaucarne também. Apesar de seu classicismo e de um tom solene envelhecido, Perez dá ao filme um vigor pela maneira como explora o conflito da Alemanha nazista por caminhos que não apenas o político. Uma lupa existencial põe em evidência as cicatrizes psicológicas e emocionais de um país que se vê faturado sob as ordens de Hitler. Uma parcela da sociedade alemã só consegue enxergar prosperidade à sua frente. Uma outra parcela, à qual os Quangel pertencem, só enxerga luto. E nessa dicotomia, um espetáculo comovente se estrutura.

O submundo bósnio se inflama em "Death in Sarajevo" Foto: Estadão

Em paralelo ao furacão Perez, a Berlinale aqueceu sob o mormaço bósnio de Death in Sarajevo, de Danis Tanovic: uma espécie de Costa-Gavras on the rocks que revive traumas na I Guerra Mundial. Com um roteiro em velocidade de corisco, que dá voltas e mais voltas (sem nunca perder o prumo) no cotidiano de um hotel em decadência, o realizador do oscarizado Terra de Ninguém (2001) mostra aquela hospedaria outrora de luxo como epicentro de uma reflexão política sobre a falência da Bósnia, a partir da comemoração dos cem anos do crime cometido em 28 de junho de 1914. Nesta data, o arquiduque Franz Ferdinad, herdeiro do Império Austro-Húngaro, e sua esposa, a duquesa Sofia de Hohenberg, foram mortos em Sarajevo, em atentado executado por Gavrilo Princip, membro da facção terrorista denominada Mão Negra.

"O maior problema do meu país é que, lá, vivemos presos ao passado, atolados sob um saco de cimento da História que não aprendemos como tirar de nossas costas", diz Tanovic, que foi premiado na Berlinale em 2013 com o Grande Prêmio do Júri por Um Episódio na Vida de Um Catador de Ferro-Velho e pode sair laureado de novo por sua narrativa febril.

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Na trama, o empreendimento hoteleiro nas vias da bancarrota tenta se manter de pé pelos esforços de seu gerente, que destrata seus serviçais. No dia em que uma greve começa a ser organizada, uma equipe de filmagem de um telejornal filma no local um programa sobre a morte de Ferdinand e os ecos daquele assassinato sobre a realidade da Bósnia.

"Eu faço cinema para tentar fazer a Bósnia olhar para frente e vislumbrar o futuro", diz Tanovic, cujo filme foi aplaudido com entusiasmo.

Amanhã, Spike Lee passa por aqui com seu Chi-Raq, prometendo polemizar ainda mais a ausência de astros negros na briga pelo Oscar 2016. Talvez se ele filmasse mais (e melhor) e reclamasse menos, isso pudesse mudar.    

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