Embora não corresponda a nenhum dos padrões estabelecidos pelo cinema para a palavra "musa" - apesar de seu rostinho lindo -, a lourinha germânica Sandra Hüller ganhou o direito de ostentar o rótulo aqui na Croisette com sua nudez desleixada, com seu olhar de desamparo e com uma habilidade de extrair absurdo de cada situação cômica do longa-metragem alemão Toni Erdmann, um dos 21 candidatos à Palma de Ouro deste ano. Desde já, ao fim de sua projeção para a imprensa e para olheiros do Marché du Film, ela é o alvo do primeiro bolão de apostas com algum favoritismo na competição de 2016: o prêmio de melhor atriz. Seu travalho, sob a direção da cineasta Maren Ade, é primoroso. Aos 37 anos, Sandra, conhecida aqui por longas de algum prestígio, como Anônima - Uma Mulher em Berlim (2008), passa por toda a sorte de excentricidade na pele da executiva Inès. Nesta incômoda, mas hilariante comédia, aplaudida três vezes durante sua projeção, Inès está prestes a fechar um negócio muito esperado por sua empresa quando se vê às voltas com a carência de seu pai, o
pianista decadente Winfried (Peter Simonischek), que sempre a negligenciou. Para corrigir seus erros, ele inventa um alter ego ainda mais atrapalhado - o tal Toni do título, a fim de invadir a vida privada da jovem. Sua duração - 2h42m - deu uma assustada na plateia do festival. Mas, assim que as confusões de Winfried começam, levando a ações estapafúrdias como uma "festa do pijama" com todo mundo nu (menos ele, fantasiado de algo peludo e inominável), o público viu que valia encarar um percurso tão longo.
Até agora, depois de três dias de competição, o campeão de elogios de Cannes, entre os concorrentes já projetados, é I, Daniel Blake, do inglês Ken Loach. Mas o melhor filme do evento - de todo o evento, sem tirar nem pôr - está na Quinzena dos Realizadores: é Neruda, de Pablo Larraín (No), com Gael García Bernal na cola do famoso poeta.