O filme que causou polêmica, levanta debates, levou a diretora Daniela Thomas a se arrepender de ter feito, confissão feita durante a estreia no Festival de Brasília, em que ouviu de um crítico o conselho de não lançar, foi lançado.
Ainda bem.
Vazante é espetacular.
Não é um filme conformista sobre escravidão sob o ponto de vista branco, como se acusou.
É um filme sobre o Brasil.
É um filme que narra a nossa miscigenação, feita por uma cineasta de família miscigenada, 1/3 branca, 1/3 índia, 1/3 negra.
É um filme sobre a sociedade patriarcal que sufoca e reprime as mulheres.
É um filme sobre o domínio europeu, do grande proprietário, sobre nossas riquezas.
É um filme sobre o sistema que suga da terra todo o provento, para abastecer uma classe dominante e predatória, que sufocava no passado com ferro e fogo o escravo, e que sufocava com ferro e fogo no presente, seus aparelhos repressivos, os mais pobres, os sem-terra, os negros, as mulheres.
É um filme que atravessa os ciclos de riqueza do País, do minério (diamante), ao grão (café, cana, milho), terminando pela carne (o boi).
E que, apesar dos ciclos, o sistema de dominação se mantém intacto.
Sistema que é até aprimorado: não se precisa mais do fogo, que, insano, perde para o exercício do trabalho explorado.
Me desculpe aqueles que se incomodaram com Vazante.
Ele é muito mais do que um filme que adotou um ponto de vista branco e conformista diante da situação racial brasileira.
Ele é sobre o condomínio rachado, que não se livra do seu passado, e por isso não avança, em que moramos.
Pelo ponto de vista de uma artista completa.
Sob o ponto de vista de uma mulher brasileira.
Que retrata a construção de uma identidade de um país dividido e conservador pelas diferenças.