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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Twin Peaks decola?

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Atualização:

 

Twin Peaks teve duas temporadas no começo de 1990.

Ambas passaram no horário nobre, TV aberta, depois do Fantástico, domingo, quando o show da vida acabava pontualmente às 22h, colado nos gols da rodada.

Não havia internet, TV a cabo, celulares, e a grande novidade tecnologia, que nos deixava de boca aberta, era o fax.

Me lembro de que estreou num inverno gelado.

Restavam os livros, as fitas de filmes alugadas, e os seis canais de TV aberta.

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A audiência era estrondosa.

Na semana, só se falava dela.

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Apesar de toques de realismo fantástico, uma marca do seu criador, David Lynch, que lançou uma lista infindável de personagens até então estranhos na TV, como o protagonista, o anti-herói agente Cooper, a trama "quem matou Laura Palmer", a linda estudante popular da escola, seduzia a grande audiência.

Estranhos, vírgula.

Vivíamos, especialmente no Brasil, a era dos personagens bizarros, influenciados, claro, pela literatura latino-americana de Garcia Márquez, e pela teledramaturgia de Dias Gomes e Bráulio Pedrosa: o padre que voa; a mulher que explode de tanto comer; o coveiro que expele formigas pelo nariz...

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Saramandaia, O Bofe, Bem Amado foram algumas das novelas que desenharam uma dramaturgia sem heróis, surrealista, marca de Dias Gomes [que explodiu na dramaturgia com a peça O Berço do Herói, que a ditadura censurou e deu numa mutilada novela Roque Santeiro].

Primeira temporada de Twin Peaks foi comandada por Lynch.

Na segunda, ele brigou com seu co-autor, Mark Frost, que, erroneamente, queria revelar o assassinato de Laura Palmer, trama contestada por Lynch.

Sem Lynch e com executivos da TV nos comandos, a série perdeu no encanto e flopou.

É revista agora, na era do streaming, com a dupla ressuscitando personagens das primeiras temporadas em novas tramas e locações, como Nova York, Las Vegas.

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Mas é um Frost intimidado pela certeza de ter errado 25 anos atrás.

E um Lynch cada vez mais experimental, incompreensível, simbólico, amado ainda, mas sem encantar o grande público, com suas tramas de muitos planos alternados, delírio e realidade, vida e morte, consciente e inconsciente, em que não se sabe se personagens estão eternamente mergulhados num sonho labiríntico, ou se a realidade pode ser vista como obra do surreal.

Estamos já no quinto episódio de Twin Peaks 2017.

Ainda não dá para entender o que se passa.

Na era nas opções (Netflix, HBO, Play, TVs pagas, Apple TV, Amazon, Youtube, em que as séries são os carros chefes da programação), até onde vai a paciência e a boa vontade do disperso e exigente espectador do milênio?

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Twin Peaks 2017 ainda parece um hidroavião experimental taxiando pelas águas da cidadezinha fria americana, fronteira com o Canadá.

Decola?

Tem gente desembarcando.

ps> O New York Times, da montagem acima, traz um guia para retomar o que aconteceu nas primeiras temporadas, que ajuda a entender a de agora: https://www.nytimes.com/2017/04/27/watching/twin-peaks-how-to-watch-guide.html

 

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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