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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Para entender o Brasil

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Atualização:

 

Existe um inacreditável acervo de imagens do Brasil do Estado Novo. E de alta qualidade.

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Graças ao culto à personalidade de Getúlio Vargas, caudilho que soube usar a máquina de propaganda do Estado, aqui chamada de Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), para se promover.

Guardadas as proporções, como Hitler e Mussolini, sem o histrionismo dos mesmos.

O jornalista Lourival Fontes, chefe do DIP, de novo guardadas as proporções, exerceu o papel do Goebbels tupiniquim: produziu filmetes, eventos, comícios, festas comemorativas, censurou jornais, teatro, livros.

O patriotismo, o novo Brasil, o homem que ia resolver todos os problemas, o "pai dos pobres", e combater o comunismo, por um longo tempo admirador de Hitler e Mussolini, comemorava seus feitos em estádios no 1 de Maio.

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Tudo era muito bem filmado.

Todo material foi cuidadosamente coletado e editado em 12 anos por Eduardo Escorel, produzido por Claudio Kahns, e deram no mais importante e completo documentário já produzido, Imagens do Estado Novo 1937 - 45.

 

 

O filme não cai na ilusão de que Getúlio, por ter feito muito pelos trabalhadores e pobres (salário mínimo, CLT), deva ter as manchas do seu governo repressivo, que prendeu Monteiro Lobato, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Prestes, interviu no Estadão e mandou para o exílio Júlio Mesquita Filho, do populismo, apagadas na História.

Era um antidemocrata que se utilizou de artifícios, primeiro a elite agrária, depois o avanço comunista, por fim o fascista, para se eternizar no poder.

São 150 horas de material editado, num filme dividido em duas partes; que, futuramente, será dividido em cinco episódios de 50 minutos e ser transportado à tela da TV (Curta e TV Cultura).

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Detalhe: não há entrevistas. Apenas o material de arquivo e a narrativa.

Getúlio tinha um tripé para conseguir governar: o diplomata Oswaldo Aranha, braço civil do governo, o repressor Filinto Muller e o general Gaspar Dutra.

Um capataz da sua fazenda, Gregório Fortunato, montou sua guarda pessoal.

Seu irmão, Benjamin Vargas, o Bejo, fazia o trabalho sujo.

Junto com filha Alzira Vargas, são retratados em sua rotina no Poder.

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Vê-se a tentativa de golpe e o endurecimento do regime.

E os adiamentos sucessivos para a volta da normalidade democrática.

Um Brasil que se industrializava, o glamour da capital Rio de Janeiro, filmes de arquivos familiares sobre crianças, comícios dos opositores, como Armando Sales, a exploração de negros nas fazendas de café, uma São Paulo vencida, sob intervenção e desconfiada.

Muitas imagens inéditas.

Momentos incríveis, como Oswaldo Aranha nos EUA, negociando a entrada do Brasil na guerra, ou um concurso de crianças "rechonchudas", quando imigrantes italianos ensinavam "mangi che te fa bene".

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Até corridas de automóvel na Gávea, corridas de bebês, mais Cassino da Urca, somados aos treinamentos dos pracinhas brasileiros, traçam um retrato firme e preciso do nosso passado e contradições históricas.

Obras do comunista Jorge Amado foram queimadas numa fogueira pública, como nos habitamos a ver na Alemanha do Terceiro Reich.

Será exibido na íntegra (3h47) a partir do dia 15 de março no Espaço Itaú de São Paulo e Brasília, e no Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo.

Com um intervalo de dez minutos.

Em 22 de março, no IMS do Rio .

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E vale cada minuto.

 

https://www.imagensdoestadonovo.com.br/

 

É um documentário fundamental para entender o Brasil de hoje e se desesperar. Já que, aparentemente, a História se repete, e não saímos do lugar.

E por que FHC disse recentemente que "um governo fraco sempre apela para os militares".

A presença de militares no Estado brasileiro, especialmente as ameaças à democracia, não são de hoje.

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Começou no primeiro dia da República, que só foi proclamada com a adesão do herói da Guerra do Paraguai, Floriano Peixoto.

Os civis, republicanos históricos como Campos Sales, Benjamin Constant e Quintino Bocaiuva, os verdadeiros protagonistas do movimento republicanos, foram colocados de lado, e os militares tomaram o poder.

O velho marechal, Deodoro, fechou o novo Congresso e tentou dar um golpe e se eternizar no poder numa ditadura. Foi destronado.

Getúlio Vargas se manteve no Poder graças ao seu ministro de guerra, general Gaspar Dutra.

Que se uniu ao movimento contra a ditadura com o opositor, brigadeiro Eduardo Gomes.

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Dutra que, por anos, foi fiador da ditadura de Getúlio no Estado Novo (de 1937 a 45), o substituíra, para depois passar-lhe a faixa presidencial em 1951.

A Golpe de 64 só foi possível graças ao apoio de última hora de general Castello Branco.

Seu substituto, general Costa e Silva, deu um golpe no golpe, em 1968, instaurou um regime ditatorial, que foi até 1985.

O documentário foi premiado no Festival É Tudo Verdade com Menção Honrosa e no Festival Recine - Festival Internacional de Filmes de Arquivo, como Melhor Filme Júri Popular e Melhor Pesquisa.

Ele é recheado de marchinhas de carnaval, cinejornais brasileiros, americanos e alemães, fotografias, cartas, trechos manuscritos do diário de Getúlio Vargas, filmes de ficção e de família e canções populares.

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Segundo Kahns, foram mais de 40 arquivos diferentes advindos de cinematecas no Brasil (brasileira em São Paulo e do MAM no Rio de Janeiro, além do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas) e no exterior, instituições diversas além de filmes familiares.

Kahns promete ainda mais dois documentários futuros, sobre o turbulento período de 1954-64, e sobra a ditadura militar, 1965-85.

 

Ficha técnica

Direção: Eduardo Escorel

Produção: Cláudio Kahns.

Roteiro: Flávia Castro e Eduardo Escorel.

Pesquisa de imagem: Antonio Venâncio.

Montagem: Pedro Bronz e Eduardo Escorel.

Editor de Som: João Jabace.

Música: Hermelino Neder e Newton Carneiro.

Empresa Produtora: Brasil 1500.

Produtores associados: Tatu Filmes e Cinefilmes.

Apoio: Univesp, Tv Cultura, Canal Curta.

Duração: 3h47min em duas partes com intervalo.

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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