Por décadas, profissionais da imprensa foram grandes aliados dos familiares das vítimas da ditadura.
Através deles, sabíamos dos bastidores do poder, da tortura, do que acontecia nos porões, notícias apuradas e censuradas, que eram forçadamente engavetadas pelos órgãos em que trabalhavam.
O repórter Fritz Utzeri morreu agora, segunda-feira, justamente no dia em que a Comissão da Verdade expôs farsa do desaparecimento do meu pai, Rubens Paiva.
Fritz era um jornalista investigativo da velha guarda. Daqueles que inspiraram e fizeram muitos garotos [como eu] escolher a profissão.
Ele não saía de casa na década de 70.
Ficou íntimo da minha mãe. Investigava em detalhes, com ela, a morte do meu pai.
Ligava e contava cada novidade do que tinha descoberto.
Minha mãe demorou alguns anos para assumir a viuvez, se desfazer das roupas do marido, diminuir a largura da cama e administrar um inventário.
Mas a aliança de noivado está no seu dedo até hoje.
Foi através dele que confirmamos que meu pai tinha morrido na tortura dentro do DOI-Codi, uma informação dolorosa, mas que a família de um desaparecido político precisa ouvir para tocar a vida.
O professor ELIO GASPARI lembrou na sua coluna da FOLHA de quarta-feira, dia 6 de fevereiro, O repórter riu por último, o caderno especial feito pelo Jornal do Brasil, referência da época, de outubro de 1978.
Fritz e Heraldo Dias, numa reportagem de três páginas, expuseram detalhes de uma investigação de anos no caderno chamado "Quem matou Rubens Paiva?".
A maior parte do que está nesta reportagem foi confirmada pela Comissão da Verdade agora, 35 anos depois, com os documentos que vieram a público.
"Fritz Utzeri riu por último porque a exposição do caso pela Comissão da Verdade deu-lhe uma nova dimensão. Ficando-se apenas na cena do desaparecimento de Rubens Paiva, de quem foi a produção da mentira? Do encarregado da sindicância? Dos oficiais que estavam no DOI naqueles dias? Do capitão e dos sargentos da escolta?", escreveu GASPARI.
A reportagem de Fritz e Heraldo Dias está no site do Jornal do Brasil em PDF:
http://www.jb.com.br/media/arquivos/22101978_Quem_matou_Rubens_Paiva.pdf
Fritz (1945-2013), mesmo doente, sempre me ligava para perguntar novidades, saber da família.
Rubens Paiva foi a sua grande reportagem. Era seu grande caso.
E seremos eternamente gratos a ele que, com a obsessão pela busca da verdade, nos trouxe dor e paz.
Um jornalista que honra a profissão.
E nos faz acreditar nela.