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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Nas entrelinhas do impeachment

O Brasil conheceu seu Congresso.

Atualização:

Viu nele uma religiosidade estranha à política.

Viu Deputados Federais com bandeiras de seus Estados homenageando filhos, netos, tios, pais, avós, esposas.

E representantes da Federação se lembrarem de suas cidades, pouco republicano.

Viu crianças no recreio jogar papel picado, portar cartazes com grosserias, como "Tchau Querida", vaiar, xingar, fazer careta, cuspir, e teve muita, mas muita vergonha alheia.

Vergonha alheia republicana.

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Viu a traição de homens que até semana passada faziam parte do governo que impeachava.

Viu gente pedir Diretas Já, quando as tivemos há um ano e meio e cassaram a vencedora.

Viu condenados de foro privilegiado votar em nome da moralidade e contra a corrupção.

Dos 513 deputados da casa, 299 têm ocorrências judiciais, 76 já foram condenados; 57 parlamentares são réus do Supremo, inclusive o que presidiu a sessão.

Viu a plataforma LUPA NEWS [www.lupanews.com ou @lupa] em tempo real mostrar quantas condenações tinha cada votante.

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Veja aqui detalhes:

http://revistapiaui.estadao.com.br/lupa/wp-content/uploads/sites/24/2016/04/Dos-513-299-tem-1.131-registrosVALEESTE.pdf

Viu aliados em anos de parceria se dizerem estranhos ao governo.

Viu ministros da sexta-feira votarem contra o governo no domingo.

Viu o vice-presidente, Temer, festejar e sorrir pela derrota da sua companheira de chapa.

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Viu um deputado carioca homenagear o maior torturador que São Paulo já conheceu.

Viu um homossexual declarado ser xingado de "baitola" enquanto votava e devolver com uma cusparada.

Viu Silvio Santos do SBT ignorar a sessão, apresentar seu show de calouros e derrubar a audiência da Record, emissora que a transmitiu.

Viu a esperança de que a corrupção acabará no Brasil.

Viu apresentadores de TV afirmarem "falta pouco para conseguirmos o impeachment".

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Viu o antigo PCB e o atual PSB votar com a direita.

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Viu vítimas do Golpe de 64, como Guel Arraes e Tancredo Neves, servirem de inspiração para se votar pelo impeachment.

Viu a festa que fez Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SDD-SP). Em setembro de 2015, o STF decidiu aceitar denúncia e abrir ação penal contra o deputado, por se beneficiar de desvios do BNDES.

Viu as incongruências regionais [estados inteiros, como PR e MG, votarem pelo sim, e BA votar pelo não].

Viu incongruências pessoais, como a de Arnaldo Jardim (PPS-SP), antigo militante estudantil [o Chefão, da Refazenda], parceiro de Aloizio Mercadante, votar contra Dilma.

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Ou Raquel Muniz (PSD-MG) homenagear o marido, votar pelo afastamento, dizer que o "Brasil tem jeito", e testemunhar hoje, 12 horas depois, a prisão do marido, Ruy Borges Muniz (PSB), prefeito de Montes Claros, por fraudes para favorecer hospitais privados, pela Polícia Federal, na Operação Máscara da Sanidade II - Sabotadores da Saúde.

Viu Paulo Maluf, condenado até pela justiça francesa, a três anos de prisão, a votar.

Bruno Araújo, do PSDB, apareceu em planilha de pagamentos do 'departamento de propina' da empreiteira que está na mira da PF.

O deputado tucano, que deu o voto derradeiro [342] pelo impeachment, está na planilha da Odebrecht.

Por isso foi às lágrimas no púlpito?

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Este é um dos muitos detalhes que foi ofuscado pelo espetáculo da sessão de ontem, que votou pela continuação do impeachment e que coincidentemente atravessou o Fantástico, o Show da Vida.

É preciso corrigir os rumos desta democracia.

Dar lógica à vida política.

E estabilidade.

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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