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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Estupro impune

Atualização:

 

Mais um estupro que não foi estupro.

Por vezes, o Judiciário interpreta a lei de uma forma que, na essência, justiça não é realizada.

As palavras são analisadas, ganham mais poder do que os atos.

O passageiro Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, durante o dia, tirou o pênis para fora e se masturbou na frente de uma menina sentada.

Quando o mesmo trafegava na Avenida Paulista, ejaculou nela.

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Várias vezes o elemento praticou o abuso. Várias vezes foi preso e solto.

É crime?

Para o juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto, não houve "constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça".

O motorista do ônibus estacionou, chamou a polícia, enquanto a menina, atordoada e aos prantos, ficou sentada na calçada. Chamaram a sua família. Foi fazer um BO.

O que, para ela, para seu futuro, representará tal agressão?

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Marcas ficarão para sempre; basta ler inúmeros relatos de assédio traumáticos, antes secretos, que recentemente emergiram nas redes sociais.

 

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Para o juiz, que liberou o réu, não houve constrangimento.

Tomou a missão de interpretar a lei com a prepotência de um sábio:

"O crime de estupro tem como núcleo típico constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Entendo que não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco do ônibus, quando foi surpreendida pela ejaculação."

Releia. Não houve violência. Não houve constrangimento.

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Não?

Como se define violência ou constrangimento?

Em seguida, contradisse.

"O ato praticado pelo indiciado é bastante grave, já que se masturbou e ejaculou em um ônibus cheio, em cima de uma passageira, que ficou, logicamente, bastante nervosa e traumatizada".

Para ele, bastante traumatizada não é constrangimento.

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Traumatizar não é ameaça, nem ato violento.

Que mensagem é passada ao motorista do ônibus, que estacionou o veículo e segurou o suspeito, aos passageiros que se revoltaram e se solidarizaram, aos policiais chamados, que levaram o acusado para a delegacia, a todos nós?

Que masturbar e ejacular numa garota é contravenção.

Que está liberada a masturbação no transporte público; não dá cana.

Nem para o busão, nem chama a polícia. Segue, motorista... Alguém limpa a menina.

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O crime agradece, Excelência.

No dia seguinte, outra mulher sofreu abuso em outro ônibus, na mesma Avenida Paulista, e outro réu foi à delegacia, graças também à intervenção do motorista.

Até a magistratura deixar de interpretar e passar a fazer justiça.

Entende-se a gana da população que, lamentavelmente, queria linchá-lo ali mesmo na Avenida Paulista.

Sabia que não dava para contar com nosso expendioso sistema judiciário.

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Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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