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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|aqui a neurose é profunda

Hoje estreia TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA.

Atualização:

Comemora os 30 anos do CPT, Centro de Pesquisa Teatral do SESC Consolação, mais do que uma escola de teatro, mas uma frigideira de ideias, talento, debate sobre o Brasil, filosofia, física e o homem do futuro.

Centro comandado pelo mestre, o veio ANTUNES FILHO, responsável pela renovação do teatro brasileiro.

E os 100 anos do nascimento de Nelson Rodrigues.

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O reencontro é explosivo.

Foi ANTUNES que, nos anos 1980, recuperou NELSON do ostracismo ideológico a que foi submetido por suas opiniões desastrosas sobre o regime militar, em que dizia que não havia tortura, enquanto seu filho sofria nas masmorras de uma prisão política.

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Ele ironizava a esquerda de batina que combatia a ditadura e, ao mesmo tempo, era visto cumprimentando Médici no Maracanã.

Jogado na fogueira com a ascensão dos movimentos feministas, NELSON passou a ser considerado um autor secundário, reacionário, antiquado e careta, diante da revolução dos costumes e dos direitos civis que avançava também pelo Brasil.

Suas mulheres histéricas, sexualmente conflituosas, numa sociedade que as dominava, o incesto reprimido, a pedofilia, os tabus da classe média ressaltam na obra de NELSON e incomodam.

Sua carreira internacional nunca decolou. Mas no Brasil entendemos bem e até nos identificamos com suas neuras.

São mais profundas do que os manuais do correto e errado. Fazem parte da antiga guerra entre edo e superego, instinto e cultura, desejo e consciência social, ser ou não ser.

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Independentemente do que os outros iam pensar, ANTUNES passou a remontar NELSON durante a ruptura do regime militar brasileiro, a reconstrução dos movimentos sociais e a campanha das DIRETAS JÁ, para provar o quanto fomos estúpidos em boicotá-lo e o valor e a profundidade das suas obras- "Nelson Rodrigues, O Eterno Retorno" é de 1981, e "Nelson 2 Rodrigues" de 1984.

A partir de então que o PORNOGRÁFICO passou a, ironia, ser uma unanimidade: o maior autor de teatro brasileiro.

Sábato Magaldi enquadrou a peça sobre o rico que após a morte da esposa é levado a conhecer uma prostituta como uma tragédia carioca.

FICHA:

Adaptação e Direção: Antunes Filho

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SESC Consolação

Rua Dr. Vila Nova, nº 245

Estreia Dia 05 de outubro, sexta-feira, às 21h.

Temporada de 05/10 a 16/12.

Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h. Exceto dias 07 e 28/10

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Não recomendado para menores de 16 anos

Preços - R$ R$ 32,00 [inteira]; R$ R$ 16,00 [usuário inscrito no SESC e dependentes, +60 anos, professores da rede pública de ensino e estudantes com comprovante] e R$ R$ 8,00 [trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no SESC e dependentes]

Duração - 60 minutos

 

 Foto: Estadão

 

Escreveu Sebastião Milaré:

Vendo o ensaio na sala munida de escassos elementos cênicos e luz normal, nota-se o pensamento do diretor manifestado no gesto exato e na voz precisa dos atores, que vão desvelando aos olhos e à sensibilidade do espectador o delírio de Geni na situação limite, dentro da qual o Poeta organizou sua narrativa dramática.  Nada ali é excessivo. Sequer as referidas lembranças de incursões anteriores, somadas a outras mais, como as prostitutas seminuas em cortejo pagão no casamento de Geni, excedem os contornos dessa escritura cênica minimalista. Pelo contrário, as imagens se constituem e se movimentam no âmbito do pensamento. Mas não para ilustrá-lo, somente para torná-lo matéria visível. As citações abrem espaços, fendem as paredes da estrutura do drama pessoal fundindo-o ao drama coletivo. Brechas por onde passeiam arquétipos, tirando as situações do prosaico e redimensionando-as no plano das imanências, onde o efêmero digladia com o eterno, o profano copula com o divino, a aparência da coisa é apenas a indicação de infinitas possibilidades.

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O que detona a ação é a palavra. Vislumbra-se aqui o principal cavalo-de-batalha de Antunes Filho em seus processos criativos com os atores do CPT. Como tornar a palavra funcional preservando-lhe os sentidos simbólicos e sem lhe castrar as contradições? Como emitir a palavra com decisão e precisão sem torna-la automática, mas plena de significados ocultos? Tudo começa na preparação do corpo, pois ele fala antes das cordas vocais serem acionadas, e culmina na ressonância, onde a palavra se libera sem constranger o corpo em seu contínuo discurso mudo. Entre uma coisa e outra está o profundo entendimento do universo poético em questão. Sem dúvida na longa pesquisa de modos expressivos e técnica vocal, desenvolvida no CPT, textos de Nelson Rodrigues apresentavam-se como exemplos e desafios. Frequentemente deparamos com encenações de obras de Nelson Rodrigues onde os criadores se deixam levar pelo pitoresco das expressões e situações, banalizando as palavras e ignorando os abismos que nelas se ocultam. Pode até ficar "engraçadinho", mas nada tem a ver com a poética vulcânica de Nelson. Nela a palavra é arma de difícil manejo, mas letal, em todos os casos. E é para os abismos das palavras que Antunes conduz seus atores nesta versão de "Toda Nudez Será Castigada".

Na verdade, a palavra do poeta sempre foi matéria-prima para suas criações cênicas. Todavia, ao se examinar as muitas montagens que realizou a partir de obras de Nelson Rodrigues, evidencia-se a sua "circum-ambulação" em torno do objeto, na busca impenitente de alcançar os significados mais profundos. Como meio de questionamento sobre a matéria, às vezes permite-se também a associação livre, mas sem abandonar os movimentos circulares. E da associação livre, surgem imagens referenciais, que desembocam em formas estéticas emblemáticas. Curioso observar, por exemplo, três abordagens à "A Falecida", com resultados formais, estéticos, diversos, mas movidas pelo desejo de apreensão da essência poética. A primeira é de 1965, com alunos da EAD, e estava presa a conceitos do teatro psicológico, realista, embora com traços de ruptura. A segunda, no "Paraíso, Zona Norte", resolvia-se em ambiente gótico agitado por arquétipos, com claras referências (associações livres) ao inconsciente coletivo. A terceira, cujo título completou-se por irônico "Vapt, Vupt", resolvia-se na linguagem pop. Em todas elas, no entanto, a busca mais profunda do sentido expresso (ou oculto) nas palavras prevalecia sobre a forma, ou ia para além da forma. Agora, em "Toda Nudez Será Castigada", as imagens referenciais surgem como licenças poéticas colocadas sobre o discurso cênico detonado pelas palavras do texto, e a "circum-ambulação" atinge o núcleo do objeto.

O espaço aparentemente vazio está pleno de pulsações. Não apenas o drama de Geni se manifesta no tablado, mas o drama humano. Anseios e frustrações criam o cenário de angústias e descaminhos, atmosfera densa, labirintos gerados pela fantasia e pelo medo de cada um. Não há salvação possível a esses seres que buscam a remissão por caminhos tortos ou por meios sórdidos. A essência de Nelson Rodrigues é assim revelada pelo artista que compreendeu como ninguém a sua natureza poética. Por isso, dentre tantos eventos e encenações em homenagem aos cem anos de Nelson Rodrigues, a montagem de "Toda Nudez" por Antunes Filho e atores do CPT ganha especial relevo. Dá-se ali o diálogo sobre a condição humana, estabelecido por poetas que se entendem e se complementam, pois um é da escrita e outro é da cena.

+++

Ela pode não concordar, mas acho FERNANDA YOUNG uma das muitas herdeiras de NELSON.

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Abre seu arquivo de neuroses íntimas-femininas sem pudor.

Explora no romance, no teatro e na TV as doenças do isolamento afetivo, dos choques dos pensamentos, os humores numa vida que, nos perguntamos sempre, não faz sentido, o vazio da classe média urbana, que não tem relevância histórica e social nenhuma, mas apenas um dia a dia a preencher, suportar, não enlouquecer.

As pequenas bobagens do cotidiano viram grandes questões- segredo da boa literatura.

Sempre gostei de seus livros, amo as séries de TV que escreve com seu marido ALEXANDRE MACHADO [OS NORMAIS, OS ASPONES, MINHA NADA MOLE VIDA], e cá está lançando mais um, A LOUCA DEBAIXO DO BRANCO [pela Rocco].

 

 

 Foto: Estadão
Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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