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Opinião|Viver é Fácil de Olhos Fechados

Filme de David Trueba usa fato verídico - a passagem de Lennon pela Espanha durante o franquismo - para mostrar que ideais de liberdade permanecem vivos, mesmo sob regimes totalitários

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O título - Viver é Fácil de Olhos Fechados - vem de um verso de Strawberry Fields Forever, dos Beatles. E ação passa-se nos anos 1960, na Espanha franquista. O que pode haver em comum entre os libertários rapazes de Liverpool e um país sob uma ditadura fascista? Bem, muita coisa. A começar por um fato real, em torno do qual se estrutura a ficção. Em 1966, John Lennon esteve na Espanha para rodar um filme na região de Almeria (onde foram filmados muitos westerns spaghetti). Tratava-se da comédia Como Ganhei a Guerra, de Richard Lester.

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Antonio (Javier Camara, o enfermeiro do almodovariano Fale com Ela) é um professor de inglês que sonha conhecer Lennon. Ele ensina o idioma aos alunos usando letras de músicas e adora os Beatles acima de todos. De modo que resolve pegar seu carro e ir em busca de Lennon. Quer conhecê-lo e tem um pedido a fazer, como o espectador descobrirá no final.

No percurso, em seu carro velhinho e pequeno, Antonio ainda dará carona a dois jovens. A garota é Belén (Natalia de Molina), grávida e internada pela família num convento para que ninguém saiba do seu "mau passo". O outro é Juanjo (Francesc Colomer), menino hostilizado pelo pai militar porque usa cabelos compridos...à maneira dos Beatles.

Bem, aí temos a insubmissão em meio ao franquismo. Não qualquer tipo de resistência armada, e nem mesmo contestação política. Simplesmente um professor com ideias liberais, um garoto que deseja usar cabelos compridos como seus ídolos, uma garota que não aceita ser tratada como pária por uma gravidez precoce.

O diretor David Trueba ajusta o tom libertário a uma linguagem cinematográfica que nos dá ideia de nostalgia - mesmo que nenhum espanhol possa ter saudades daquele tempo cruel. Os personagens principais são críveis e comovente. Javier Camara empresta humanidade ao seu papel de professor. E mesmo personagens secundários entram com bravura na trama, a começar por um dono de bar catalão, que, com seu filho doente, mantém um bar de beira de estrada perto de Almeria. Bonito filme.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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