Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Últimas Conversas

 

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Eduardo Coutinho não teve tempo de finalizar Últimas Conversas. Morreu assassinado. Obviamente, o próprio título não é dele e sim de quem assumiu a finalização - o cineasta João Moreira Salles e a montadora Jordana Berg. Dois amigos íntimos e colaboradores de Coutinho, o que dá um selo de autenticidade ao trabalho.

PUBLICIDADE

Mesmo assim, há diferenças. Nessa despedida não planejada, Coutinho torna-se, ele próprio, personagem do documentário, o que jamais faria fosse ele o autor da montagem. Nas imagens iniciais, assistimos então a um Coutinho cético, ranzinza e muito desconfiado acerca do material coletado até então. Até aí, nada de novo. Coutinho vivia em geral desconfiado do material. Era muito reticente durante a filmagem de Edifício Máster, que, enfim realizado e lançado, se tornaria um dos títulos mais queridos de sua filmografia. Está tudo registrado no ótimo documentário de Beth Formaggini Coutinho.doc - apto. 608.

De toda forma, aos trancos, Coutinho põe em movimento o dispositivo que o tornou um dos documentaristas mais celebrados do mundo. Cenário simples, exíguo mesmo. Uma cadeira para o entrevistado, a sala vazia, a porta ao fundo. Desta vez, os interlocutores são jovens, adolescentes ainda, entrando na idade adulta. E, mais uma vez, o que constatamos, é o extraordinário "conversador" que era Coutinho. Desta vez, falando talvez um pouco mais que em outros filmes, consegue criar um raro clima de confiança, no qual simplesmente as pessoas se abrem - diante dele e do olho da câmera.

O que se vê então, conversa após conversa, é uma interação humana das mais tocantes, entre jovens sonhadores e inseguros, e um senhor já muito velho, avô anônimo que, no entanto, desperta nelas o desejo de falar de si mesmas, do futuro e dos medos, das inseguranças e da esperança. É comovente e é, também, um painel revelador da juventude brasileira. Um belo legado, diga-se o que se disser.

Coutinho evitava entrevistar gente que tinha alguma coisa a perder - políticos, pessoas ricas, famosos. Aspirava, talvez, a uma pureza absoluta de diálogo que, acreditava, encontraria apenas na infância, no diálogo com crianças. De certa forma, este filme é como a realização póstuma desse desejo.

Publicidade

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.