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Opinião|Rapazes negros para brancas carentes

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A óbvia conotação política de Em Direção ao Sul não precisa nem ser confirmada pelo diretor Laurent Cantet - ela está no filme. Nessa história em que cinquentonas americanas vão ao Haiti em busca de negros jovens, bons de cama, há uma espécie de ilustração crua do que vem a ser a tal "relação Norte-Sul" - uma relação de exploração e desfruto, que se estende a vários campos, incluindo o sexual. Basta ver o que acontece em outros países partes daquilo que antigamente se chamava Terceiro Mundo, Brasil incluído. Basta ir a capitais do Nordeste e observar o que fazem aquelas levas de turistas italianos, portugueses, alemães e de outras nacionalidades com as meninas brasileiras. Esse é o tema de Em Direção ao Sul, embora seja reducionista dizer que seja um filme sobre o turismo sexual. É, também.

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Cantet (do ótimo A Agenda) passa por esse tema, mas não se ilude com clichês do tipo "brancos maus, negros bons". Desvenda, ainda que de leve, a teia de cumplicidades tecida entre uns e outros. Por exemplo, na primeira cena do filme, no aeroporto, uma mulher tenta "dar" de presente sua filha a Albert (Lys Ambroise), o recepcionista das madames brancas, porque mesmo que ela entrasse na rede de prostituição, isso significaria uma proteção para sua vida. Proteção contra quê? Ora, contra a violência, a miséria, a doença, o desamparo essas coisas de países pobres.

Estranha é a figura de Albert, que vindo de uma família nacionalista, que havia lutado contra a invasão do Haiti pelos americanos em 1915, se torna um proxeneta de luxo. Ele mesmo negro, agencia o encontro das americanas ricas com os garotos de programa. Mas impede que uma delas (a ótima Charlotte Rampling) jante com um deles no restaurante do hotel. Encontros sim, jantar à luz de velas não. Isso é privativo dos brancos, por uma questão de decência.

Essas contradições se filtram pelo texto do filme. E também a violência do Haiti de Baby Doc, que cerca o hotel paradisíaco onde as mulheres encontram o exotismo, e o amor, ainda que seja de aluguel. O que move essa máquina amorosa em meio a uma guerra? O dinheiro, que falta a uns e sobra a outros. Pode-se lutar contra uma invasão militar. Ou, se a desproporção de forças for muito grande, pode-se resistir como se pode a ela. Mas não se luta contra o dinheiro fácil. Este corrompe aos poucos, devagarinho, enquanto vai comprando e aviltando corações e mentes. E corpos, como sugere esse filme político que não ousa dizer seu nome.

Em Direção ao Sul está em cartaz em São Paulo no HSBC Belas Artes e no Reserva Cultural.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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