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Opinião|O marketing do escândalo

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Leio sobre o "escândalo" do filme Love, de Gaspar Noë, em Cannes. Há imagens de sexo explícito. Et alors? E daí?, como diria o outro. Qualquer filme pornô tem. Na TV tem, e nem precisa ser em canais "privê". Sexo tem em toda parte.

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A notícia de que o filme de Noë "causou escândalo" em Cannes chega a ser risível. Me lembrou aquela famosa conversa de André Breton e Luis Buñuel, não sei se vocês conhecem. Desolado, Breton se queixava ao amigo de que a liberação dos costumes tirava o impacto daquilo que os surrealistas usavam para chocar a plateia - para épater le bourgeois. "Luis, hoje em dia o escândalo não é mais possível", dizia ele, temeroso pelo futuro de sua arte.

Coitado, estava enganado. Depois do surrealismo, e da liberalização radical dos anos 1960 e 1970, quando de fato o escândalo já não era mais levado a sério, a humanidade entrou em ritmo de regressão. Foi voltando para trás, aos pouquinhos, e depois a Aids deu uma boa mão, por assim dizer. Hoje se pode dizer que o Brasil tornou-se uma sociedade carola, chatinha e cheia de moralismos extemporâneos. O mundo não é muito diferente. Há núcleos libertários, mas são, cada vez mais, discriminados e tidos como avis raras, exceções sociais, meio perigosas e merecedoras de desaprovação dos normais. Quando não de extinção pura e simples.

Há o marketing, claro. Num mundo que se caretiza cada vez mais, uma maneira fácil de se destacar da mesmice, para aparecer, é apresentar alguma coisa tida como "chocante". Claro, não estou falando do filme em si, que não vi ainda. Falo apenas de uma atitude, digamos, mercadológica. O engraçado é o uso de um termo como Love para o título. Faz pensar também em Romance, de Catherine Breillat, que tinha uma relação explícita protagonizada por um ator especialmente bem dotado. Foi notícia, claro.

Mas, sem demagogia: há muitas outras coisas no mundo mais dignas do nosso espanto e do nosso escândalo, não é? Curiosamente, elas não chamam mais a atenção de ninguém. Afinal, sexo é natural. Fome, miséria, desigualdade social extrema, não são. Isso me escandaliza muito.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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