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Cinema, cultura & afins

Opinião|O Jardim das Folhas Sagradas

Em seu O Jardim das Folhas Sagradas, o diretor Pola Ribeiro faz uma interessante imersão no universo do candomblé. Pola poderia ter feito um documentário. Preferiu a ficção para discutir um tema interno ao candomblé, a necessidade (ou não) de sacrifícios animais em alguns rituais. De certa forma, seu herói, Bonfim prega um candomblé ecológico e preservacionista. Vegetal.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Um dos trunfos do filme é justamente esse protagonista, Bonfim, vivido pelo ator Antônio Godi. Um homem dividido, que hesita entre dar prosseguimento a uma promissora carreira como especialista em informática em um banco ou desenvolver seus dotes para o candomblé.

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Bonfim é mesmo um ser heteróclito, que atende a muitos chamados divergentes. Tem um grande amigo, Castro (João Miguel). Negro, é casado com uma mulher branca, que se tornou evangélica e procura converter o marido. Naturalmente, ela acha que o candomblé é coisa do diabo. Bonfim tem também um mentor, com quem chega a se desentender, mas que continua a ser seu bom conselheiro, o mais experiente Martiniano (Harildo Dêda).

Essa, talvez, seja a principal discussão levada pelo filme. A dificuldade (que, parece, existe até mesmo na Bahia) em se aceitar o candomblé como uma religião e não como um exotismo de base popular. E o candomblé aparece com sua faceta democrática, avessa ao proselitismo, aberta ao outro. É o lado mais bonito do filme. Ao lado de belos momentos de filmagem que mostram um Pola inspirado, colocando em prática seus mais 30 anos dedicados ao cinema (em cerca de 40 curtas-metragens), embora este seja seu primeiro longa-metragem.

Nem tudo funciona tão bem. Alguns diálogos parecem didáticos demais, como se a narrativa parasse e fizesse um parêntese para deixar claras as coisas para o espectador. Atravanca o andamento e às vezes corta o barato, se a expressão for permissível neste caso. Em outras sequências é o elenco que parece apresentar desníveis de interpretação. Por fim, falta ao conjunto a pulsão que se nota em alguns momentos isolados.

Apesar desses reparos, sobra a O Jardim das Folhas Sagradas o frescor que não se vê em produções mais quadradinhas.Quer dizer, sem erros mas também sem qualquer acerto. Jardim tem seus altos e baixos. É irregular; no entanto produz alguns momentos de pura poesia cinematográfica, inclusive em seu desfecho, aberto, ambíguo e que, de certa forma, nega o didatismo que se viu nas partes mais fracas do filme. O fato de ser a estreia em longas de um diretor maduro, e que o projeto tenha levado mais de onze anos para se concretizar, explica (mas não desculpa) o desejo de colocar tudo no mesmo saco, como se não houvesse futuro. A inspiração inicial do filme o resgata dessa ansiedade. E fica-se esperando por uma produção baiana com certa continuidade para que a angústia de colocar tudo em um único filme seja esquecida e exorcizada. Num ritual propício. Axé.

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(Caderno 2)

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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