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Cinema, cultura & afins

Opinião|O cinema do Murilo Salles

O cineasta Murilo Salles lança três filmes simultaneamente, ótima ocasião para reavaliar a obra desse artista de sólida carreira

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O diretor Murilo Salles foi notícia esta semana. Estreou nada menos que três filmes ao mesmo tempo! Murilo tem uma carreira das mais sólidas do cinema brasileiro. O texto abaixo foi escrito para esta ocasião. Na versão impressa do jornal saiu muito cortado, pelas clássicas razões de espaço. Aqui está mais inteiro. 

 Foto: Estadão

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Depois de um início muito longo, e muito bem-sucedido, como diretor de fotografia, Murilo Salles estreia no longa de ficção com Nunca Fomos Tão Felizes (1984). Um estouro, mostrando os efeitos da ditadura militar sobre a estrutura da família.

Neste, que muitos consideram seu melhor filme, Murilo mostra-se particularmente feliz ao colocar o drama pessoal contra o contexto histórico, mostrando que tudo é uno, mas os enfoques são diferentes, dependentes da abordagem que se faça e do ponto de vista de quem rege a orquestra - o diretor da obra. O difícil relacionamento do filho adolescente (Roberto Bataglin Jr.) e o pai militante (Claudio Marzo) estabeleciam essa ponte do pessoal com o histórico e estabeleciam, na véspera da redemocratização o custo social da ditadura (que continua a cobrar juros ainda hoje, ainda que haja quem peça sua volta).

Com Como Nascem os Anjos (1996), Murilo entra fundo na discussão do abismo de classes e da violência que encontra solo fértil nesse terreno de desigualdade. Há um dado adicional, que percebe antes de outros cineastas - o componente de exibicionismo que turbina ainda mais a violência na sociedade do espetáculo. O show do garoto sequestrador (Silvio Guindane) para as câmeras de TV é uma das cenas de maior impacto do cinema brasileiro da Retomada.

Esse entrecho de equívocos da vida nacional é novamente abordado, numa chave mais cômica, em Seja o que Deus Quiser (2002), encontro enviesado de moradores do morro, jornalistas de TV e um representante do mundo clubber. Reforça-se aqui o interesse do diretor pelos desacertos ancestrais e sempre criativamente reforçados da sociedade brasileira, e seus efeitos sobre os jovens. Como se estes herdassem os erros das gerações anteriores e prepararem seus próprios erros, a serem legados às seguintes.

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Seria quase natural que esse mundo deformado, à brasileira, migrasse para o universo virtual, quando este se impôs como forma de representação dominante. Daí nasce Nome Próprio, inspirado livremente em livros da escritora e blogueira Clarah Averbuck. Já se observou que filme e personagem (Camila, interpretado por Leandra Leal) são irritantes. De fato, é o retrato, não de geração, mas de um mundo em oscilação permanente entre o real e o virtual, entre corpos e almas despedaçados neste paradoxo que é viver entre multidões (virtuais) que abolem a privacidade e experimentar a mais absoluta solidão.

Goste-se ou não desses filmes, há que reconhecer sua imersão radical no contemporâneo. Se às vezes dão tilt na dramaturgia, reiteram um cineasta para quem a forma não se distingue do conteúdo. A linguagem das obras não é indiferente ao que elas dizem. E, desta maneira, chegamos a Os Meios e os Fins, que mergulha no tema dos temas do Brasil contemporâneo - a corrupção. E o faz num registro sombrio em que mesmo as cenas solares parecem obscurecidas, como se o País se tivesse tornado refratário à luz solar. O casal formado por Cintia Rosa e Pedro Brício, ela jornalista, ele publicitário, migra para Brasília, coabita com e é sugado pelo mundo político. Por quê? Porque nele vê a possibilidade de acesso a dinheiro, ascensão social e poder que empregos comuns não trazem.

Esse filme incômodo, se um mérito tem, é sugerir que a corrupção, para se ter estabelecido desse jeito, é um "bem" comum, uma moeda de troca que perpassa toda a sociedade. Num momento em que as sutilezas estão abolidas e o maniqueísmo se institucionaliza, talvez Os Fins e os Meios traga elementos interessantes para debate. Se é que existe clima para debate.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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