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Cinema, cultura & afins

Opinião|Noite de comédia e Cambalache em Gramado

 

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Equipe do Longa Metragem Brasileiro "El Mate" - Foto: Edison Vara/Pressphoto

 

GRAMADO - Depois da apresentação do concorrente Campanha Anti-Argentina, de Ale Parysow, corriam duas piadas entre os jornalistas que cobrem o festival. A primeira era que o conteúdo do filme exprimia à perfeição o que seu título dizia. Tão ruim que o próprio filme só poderia fazer parte de uma conspiração contra os hermanos e difamá-los. A segunda era que a curadoria havia escolhido o longa com o desejo expresso de melhorar nossa autoestima combatendo a ideia corrente de que o cinema argentino é sempre melhor que o brasileiro.

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De forma mais amena, posso dizer que achei Campanha Anti-Argentina apenas uma ótima ideia jogada na lata do lixo. A história é a de Leo J, ator e cantor que descobre o que seriam indícios de uma campanha internacional, levada por uma certa Loja Cisneros, para acabar com a nação argentina. Seria responsável, por exemplo, pelo misterioso acidente aéreo que acabou com a vida de Carlos Gardel, pelo envenenamento de Eva Perón, pela cilada em que caiu Che Guevara na Bolívia, pelo doping de Maradona na Copa do Mundo. A ficção histórica se encarregaria de reinterpretar fatos à luz de uma suposta conspiração. Interessante, né?

Por trás de tudo, estaria a crítica de uma autoimagem nacional projetada de maneira às vezes meio arrogante, como o realizador do filme percebe e descreve no palco do Palácio dos Festivais, na apresentação do filme.

Ok, só que o longa não decola, não tem graça e se perde na persistente ideia de fazer de tudo uma metalinguagem permanente, com alguém sempre filmando (e sendo visto filmar) as aventuras de Leo J. e sua "novia" graciosa. Uma ou outra piada engraçada, mas o conjunto expresso em linguagem gritada, de alta poluição visual, é muito chato. E inócuo.

Já o brasileiro El Mate, de Bruno Koff, reserva alguma coisa a mais - sem convencer de todo. Com seu jeitão um tanto anárquico, e meio tarantinesco, põe em cena o personagem Armando (o argentino Fabio Marcoff, que fazia o receptador da Jules Rimet em O Roubo da Taça). Atendendo a uma encomenda, Armando sequestra um russo e agora espera o pagamento. Enquanto isso não acontece, recebe a visita de um evangélico, que lhe traz a palavra de Deus e algumas confusões. Tudo culmina com a visita de duas amigas, que resolvem fazer uma festinha na casa, enquanto os mandantes do sequestro não aparecem.

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Em tom de comédia anárquica, El Mate reserva bons momentos, em especial pela liberdade narrativa e pelo diálogo com cinema trash, além dos diálogos descolados à Tarantino. Em que consistem esses diálogos? Em personagens envolvidos em crimes falando de coisas banais, como pessoas comuns. Produz um efeito cômico pelo deslocamento. Em Pulp Fiction, por exemplo, um dos personagens tece longas considerações sobre o Big Mac. Coisa pop. Aqui, Armando, o assassino de aluguel, em seu diálogo com o evangélico reconduzido aos prazeres mundanos, lembra-se comovido da mãe, entre outras recordações da infância.

O "espírito" do filme lembra o de Avanti Popolo, de Michael Wahrmann, selecionado há alguns anos para o Festival de Brasília, e que fez a alegria de parte da crítica afinada com o cinema marginal.

No caso deEl Mate deve se produzir coisa semelhante. Com um acaso "feliz", se o termo cabe nestas circunstâncias que estamos vivendo. O filme foi apresentado ontem, 31 de agosto, dia do golpe. Em uma das cenas, um bandoneonista toca e canta o tango clássico Cambalache, de Discépolo. Trilha sonora perfeita para a era Temer, que acaba de se inaugurar.

A título de contribuição cultural, segue a letra de Cambalache:

Que el mundo fue y será una porquería, ya lo sé,

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En el quinientos seis y en el dos mil también;

Que siempre ha habido chorros,

Maquiávelos y estafáos,

Contentos y amargaos, valores y dublé.

Pero que el siglo veinte es un despliegue

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De maldá insolente ya no hay quien lo niegue,

Vivimos revolcaos en un merengue

Y en el mismo lodo todos manoseaos.

 

Hoy resulta que es lo mismo ser derecho que traidor,

Ignorante, sabio, chorro, generoso, estafador.

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¡Todo es igual, nada es mejor,

Lo mismo un burro que un gran profesor!

No hay aplazaos ni escalafón,

Los inmorales nos han igualao...

Si uno vive en la impostura

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Y otro roba en su ambición,

Da lo mismo que sea cura,

Colchonero, rey de bastos,

Caradura o polizón.

 

¡Qué falta de respeto, qué atropello a la razón!

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¡Cualquiera es un señor, cualquiera es un ladrón!

Mezclaos con stavisky van don bosco y la mignon,

Don chicho y napoleón, carnera y san martín.

Igual que en la vidriera irrespetuosa

De los cambalaches se ha mezclao la vida,

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Y herida por un sable sin remache

Ves llorar la biblia contra un bandoneon.

 

Siglo veinte, cambalache, problemático y febril,

El que no llora no mama y el que no roba es un gil.

¡Dale nomás, dale que va,

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Que allá en el horno te vamo a encontrar!

¡No pienses más, tirate a un lao,

Que a nadie importa si naciste honrao!

Si es lo mismo el que labura

Noche y día como un buey

Que el que vive de las minas,

Que el que mata o el que cura

O está fuera de la ley.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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