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Opinião|Mostra 2017: 'The Square', o caos sob a capa fina do politicamente correto

Filme sueco ganhou a Palma de Ouro em Cannes, mas dividiu a crítica com a dureza de tratamento de dilemas morais e denúncia à hipocrisia social contemporânea

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

Vi ontem The Square, do sueco Ruben Östlund, vencedor da Palma de Ouro em Cannes deste ano. Filme polêmico, como se sabe. Ou melhor, deve-se dizer que o fato de ter vencido o festival de cinema mais mediático do mundo o tornou polêmico. O júri era presidido por Pedro Almodóvar que, parece, deixou claro não ser este o seu preferido pessoal. E o filme foi atacado por boa parte da crítica (e incensado por outra parte).

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Em especial, a ainda muito influente revista Cahiers du Cinéma o desancou sem piedade e aproveitou para pichar quase toda a seleção cannoise deste ano. Como não estive lá, não posso comparar The Square com outros concorrentes e não sei se a vitória foi merecida. Aliás, pouco me importa em saber. Vale o filme.

E ele, em si, me pareceu muito interessante. Como aliás achara muito bom Força Maior, opus anterior de Östlund. Parece que a discussão de dilemas morais são a mola propulsora da obra do sueco. Em Força Maior era um pai de família que, diante de uma avalanche de neve, segue seus instintos e abandona a família à própria sorte. Em The Square temos o curador de um museu, Christian, típico homem contemporâneo, civilizado, sensível a questões sociais e voltado às boas causas. No entanto, quando seu celular e carteira são furtados na rua, reage como um troglodita vulgar. E essa reação acaba desencadeando outras contra-reações que levarão a história a consequências inimagináveis.

A ideia subjacente a The Square é que, sob a película fina do politicamente correto, existe uma sociedade predatória como nunca houve na História da humanidade. Passamos a ver então uma Suécia que nem de longe se parece ao paraíso social que tanto invejamos. Há mendigos pelas ruas e a imagem destes pode ser usada como apelo comercial para, em tese, sensibilizar outras pessoas, mas, na verdade, serve para ajudar a vender produtos. O filistinismo domina o campo das artes plásticas, nas quais, como se sabe, ao lado de artistas de verdade, proliferam os picaretas. Montinhos de entulho podem passar por obras de arte e uma performance animalesca reúne um grupo de grã-finos para assisti-la. As redes sociais anularam a noção de intimidade e tudo é devassado, visto, interpretado e fruído por um número enorme de pessoas. O sadismo social explicitou-se e escancarou-se. Não há lugar para poesia no hipercapitalismo, a não ser sob o disfarce de atitudes aparentemente solidárias, que mal conseguem esconder o fundo de classismo, sexismo e racismo que existe por trás.

Já disseram que Östlund seria um discípulo nórdico de Luis Buñuel, o que me parece evidente exagero. Buñuel era gênio e Östlund não é. Passa longe disso. No entanto, assim como o mestre surrealista espanhol, o sueco gosta de abordar temas incômodos, denuncia a hipocrisia e joga na cara da sociedade o que existe no fundo das boas intenções. Não é pouco. Pode-se dizer que lhe faltam aquele traço vital de piedade e outro tanto de ironia. Seu tom é frio e, no mais das vezes, sarcástico. Incomoda almas pudicas.

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Sessões:

Dia 27/1017:20 - ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1

Dia 29/1021:15 - CINEARTE 1

Dia 30/1019:20 - ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1

Dia 01/1119:10 - CINESESC

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Minha cobertura completa da Mostra você encontra no blog: http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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