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Opinião|Louis Garrel, o filho da nouvelle vague

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É muito raro que os  Cahiers Du Cinéma dêem capa a um ator, ainda mais muito jovem. No entanto, foi o que aconteceu com Louis Garrel, destaque da  publicação francesa no número de julho/agosto de 2008. Louis - que ganha agora retrospectiva no no CCBB - era já bem conhecido há quatro anos. Sua fama só tem crescido desde então.

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Filho do diretor Philippe Garrel, e da atriz Brigitte Sy, neto do ator Maurice Garrel, pertence a uma família de cinema. Philippe é ligado à nouvelle vague e aos próprios Cahiers. Gosta de trabalhar com familiares em seus filmes, por isso, ainda criança, Louis já foi escalado para o elenco de Les Ministères de l'art (1988) e Les Baisers de Secours (1989). Mas foi com o italiano Bernardo Bertolucci, em 2003, que Louis conheceu a fama. Afinal, Bertolucci é o cineasta de sucessos como Último Tango em Paris e O Último Imperador (vencedor de 12 Oscars). Em Os Sonhadores, Bertolucci faz Louis contracenar com a estupenda Eva Green, ambos no papel de jovens rebeldes de 1968.

Curiosamente, em seu projeto seguinte, Louis voltaria à temática do maio de 68 em Paris sob a batuta do seu pai em Amantes Constantes, belo trabalho em preto e branco. Estes e outros filmes estão na retrospectiva, que começa hoje com A Bela Junie, A Fronteira da Alvorada e Os Sonhadores. A mostra prossegue até dia 27, exibindo 17 filmes dos quais participou ou dirigiu. Louis é autor de três curtas-metragens, Meus Amigos, Aprendiz de Alfaiate e A Regra de Três.

Afora seu trabalho com o pai, deve-se destacar também a colaboração constante com Christophe Honoré, em títulos como A Bela Junie, Em Paris, ou Canções de Amor. Honoré tem se destacado pelo diálogo com a nouvelle vague, a onda francesa que revolucionou o cinema do mundo todo com a sua maneira desinibida e inovadora de filmar. Nomes como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Éric Rohmer, Claude Chabrol e Jacques Rivette (o núcleo duro da "vague") abriram portas (muitas vezes aos pontapés) no final dos anos 50 e prepararam terreno para o cinema jovem dos anos 1960. Philippe Garrel já pertence a uma geração posterior e dá seguimento à trilha aberta pelos pioneiros da nouvelle vague. Honoré vem uma geração depois.

A observação é importante porque não se compreende Louis Garrel, e o fascínio que exerce, a não ser ligando-o aos princípios rebeldes da nouvelle vague. Não por acaso, se parece ao ator fetiche Jean Pierre Léaud, de quem é afilhado. Léaud foi alter ego de François Truffaut, na pele de Antoine Doinel, em filmes como Os Incompreendidos, Beijos Roubados, Domicílio Conjugal e outros. Trabalhou também com Godard, e até com Glauber Rocha. É um fetiche dos anos 1960 e 70.

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Louis, de certa forma,  é  herdeiro. Com seu jeito meio desleixado, ar blasé, emburrado e sério como convém a um parisiense, Garrel encanta as mulheres. Tem esse ar insolente e ao mesmo tempo frágil, de quem precisa ser protegido. Desperta a libido feminina e também o instinto materno.  É assim em seu trabalho mais recente, ainda uma vez com seu pai, Um Verão Escaldante, em que contracena com a fulgurante e madura Monica Bellucci. Jean-Pierre Léaud escrito e carimbado.

Mas é preciso dizer que, com todas essas influências e referências, Louis é ator de luz própria. E não apenas como ator. Aprendiz de Alfaiate revela talento para a direção. Não gosta da comparação  com Jean-Pierre Léaud. Diz que o admira, que Léaud é único, mas que esse tipo de referência já o cansou. Normal. Mesmo pessoas inteligentes, conscientes de que começos absolutos não existem, aspiram ao  caminho próprio. Louis já o está trilhando.Basta observar os filmes.

Entre eles, predomina o nível alto. Se tivéssemos de indicar, diríamos que não se deve perder de jeito nenhum a dupla formada por Os Sonhadores e Amantes Constantes. Mais que sobre o Maio de 1968, são trabalhos que medem os desdobramentos desse período em que todos os sonhos pareciam ao alcance da mão. Expressam mais a ressaca do que a festa. Em A Bela Junie, ele é o professor de italiano que se enamora de Léa Seydoux. Um par comovente.

E vale muito ver Um Verão Escaldante, que competiu em Veneza o ano passado. É a história de um quarteto formado por dois casais: Angèle (Monica) e Frédéric (Louis), Paul (Gérome Robard) e Elizabeth (Céline Salette). Uma história de amor, de desejo, e sobretudo de amizade. Tudo levado naquele paroxismo que se associamos à juventude. Louis é um pouco o rosto dessa mocidade que flerta com o desejo e com a morte. Pouco ajuizado, já que sensatez e boas maneiras raramente dão bons filmes.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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