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Opinião|'Invictus', o Mandela de Morgan Freeman

Morgan Freeman é a cara de Mandela. Quem duvidar, veja Invictus (2009), no qual o ator norte-americano interpreta o líder sul-africano em uma das passagens fundamentais da sua atuação como presidente.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Trata-se da hábil manobra política que consistiu em transformar a seleção de rúgbi do país, tida como nicho de racistas, em símbolo da união nacional, grande ambição de Mandela desde quando saiu da prisão, em 1990.

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Acontece que, em 1995, jogava-se na África do Sul o Campeonato Mundial de Rúgbi. O time africano entrava na competição como dono da casa, mas parecia não ter qualquer possibilidade de vitória. Nelson Mandela conversa com o capitão do time, vivido por Matt Damon, e o convence de que a vitória é fundamental para o país àquela altura do campeonato. Há cenas que definem a mão de um diretor de peso, Clint Eastwood, no caso. Logo no início, vemos a comitiva de Mandela libertado depois de 27 anos de cárcere na prisão de Robben. Os automóveis passam por um campo onde um time de rúgbi é treinado. O técnico fala para um dos garotos: "Guarde bem este dia. Hoje a África do Sul começou a sua ida para a ruína". Uma simples cena define o ânimo de parte do país.

Noutra, vemos Mandela interferir numa reunião que pretende mudar cores do uniforme, nome e hino do time nacional, identificado com os africâneres. Mandela vê nisso um erro. Entende que o momento é o de preservar a simbologia do inimigo e transformá-la em signo de união nacional. Assimilar adversários ferrenhos faz parte da política e aconteceu até mesmo na Revolução Russa. Outra sequência que não se esquece é a visita de Damon à cela de Mandela, conservada como relíquia nacional. A face silenciosa do capitão do time expressa seu sentimento profundo de compreensão daquele homem que lhe fora pedir a vitória.

A direção de Clint é sóbria, precisa, com pouca concessão a sentimentalismos. Mas o que sobressai é mesmo a interpretação de Morgan Freeman, que consegue se parecer com Madiba até mesmo na forma de andar. Isso os grandes atores percebem quando precisam interpretar um personagem real e de alta visibilidade como Mandela. Não basta se parecer no rosto, porque disso a maquiagem em geral se incumbe. É preciso assemelhar-se também na expressão corporal. Nós conhecemos o modo de falar, de mexer a cabeça, de andar de um pessoa íntima. Inconscientemente, é o que nos fornece o signo de reconhecimento à distância. E Freeman captou muito bem esses sinais corporais de Mandela.

Em especial, essa aura de dignidade que foi a marca maior de Mandela. Revolucionário na juventude, Madiba meditou sobre seu país durante os 27 anos de cárcere e concluiu que precisava de uma solução negociada para fazer a transição. Seu plano foi um sucesso e o esporte, no caso o rúgbi, desempenhou função importante. Mandela conduziu o jogo como verdadeiro estadista, e seu intérprete, Morgan Freeman, compreendeu a essência dessa ação política para melhor interpretá-lo.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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