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Opinião|Gramado 2017. 'João, o Maestro' e 'O Matador'

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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GRAMADO - Ontem à noite, no Cine Embaixador, aconteceu a abertura do Festival de Gramado, com João, o Maestro, de Mauro Lima. Como vocês sabem, trata-se da cinebio de João Carlos Martins, cuja vida dá mesmo um romance. O filme, sem ser grande, me surpreendeu de maneira positiva.

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O esquema é aquele da redenção, da segunda chance, tão cara ao cinemão. O maestro é visto como menino prodígio do piano, depois jovem concertista, mulherengo, homem de sucesso cosmopolita, até o dia em que resolve bater uma bolinha no Central Park com os jogadores do seu time de coração, a Portuguesa de Desportos, e, numa queda, lesa o nervo do braço. Compromete a mão direita.

Há então a saga da recuperação, novos problemas, nova volta por cima, até a solução encontrada para viver no mundo da música sem depender da agilidade dos dedos, que não mais lhe obedecem.

Bem reconstruído pelos três atores que acompanham o fio da sua vida - Davi Campolongo, Rodrigo Pandolfo, Alexandre Nero - o percurso de Martins revela o traço obsessivo, que é propício ao seu métier, mas também o grau de persistência incomum com que enfrenta adversidades.

Um tanto de humor tenta quebrar a solenidade do relato, com sucesso em algumas ocasiões. Poderia se poupar do desfecho institucional, mas talvez tenha sido imposição de quem garantiu a viabilidade financeira de um projeto complicado, com filmagens no exterior (Nova York e Montevidéu). Se escolha do diretor, foi errada. Em todo caso, entra-se no filme pela personalidade do maestro (entretanto pouco explorada em suas contradições) e pela música - esta sim, divina e arrebatadora. O filme passou fora de concurso.

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 Foto: Estadão

 

Já o primeiro concorrente de Gramado, O Matador, de Marcelo Galvão, me pareceu um equívoco do princípio ao fim. Uma espécie de neo-western ambientado no sertão nordestino, parece às vezes confuso pelo excesso de personagens, fashion na ambientação sertaneja, trash em algumas cenas e desprovido de sentido em outras. O resultado é tedioso, o que se refletiu na fria reação do público.

Conta a história do jagunço Cabeleira (Diogo Morgado), criado por um matador apelidado de Sete Orelhas, que um dia some no mundo. Indo atrás do "pai" adotivo, Cabeleira encontra uma cidade dominada por um vilão francês, o Monsieur Blanchard (Etienne Chicot).

Marcelo Galvão já ganhou Gramado com o bem-humorado Colegas. Seu segundo filme foi A Despedida, grande trabalho de Nelson Xavier. O Matador parece regressivo em relação aos anteriores.

O filme vem cercado de uma "polêmica" bem típica dos nossos tempos. É produção da Netflix e será disponibilizado em streaming para os assinantes, sem chegar às salas de cinema.

A mesma história se deu em Cannes, quando dois filmes da Netflix disputaram a Palma de Ouro sob críticas de pessoas influentes, entre as quais Pedro Almodóvar, presidente do júri.

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Bem, o que se pode dizer é que ninguém detém os processos tecnológicos e que há gritaria a toda vez que se muda o suporte. O vídeo viria para acabar com o cinema (sendo que Michelangelo Antonioni já fizera experiência com o suporte em O Mistério de Oberwald). Depois o digital viria arrasar com tudo. E o cinema continua, apesar da virtual extinção da película em 35 mm.

Enfim, o cinema segue. Só que sob outras formas. Tudo bem, desde que o filme seja bom. Esse é o "x" da questão. E não o suporte ou o meio de exibição. Para mim, essa é a chamada "não-discussão". Aproveitemos o tempo para assuntos mais relevantes e urgentes.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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