GRAMADO - No palco do Palácio dos Festivais, o diretor uruguaio Guzman García falou de sua admiração por Eduardo Coutinho, o nosso documentarista maior. O longa de Guzman, Mirando al Cielo (Olhando para o Céu), de fato faz lembrar o dispositivo cinematográfico consagrado pelo diretor de Santos Forte, Jogo de Cena, Edifício Máster, e outros filmes da fase madura de sua obra.
Mirando al Cielo tem como personagens atores da trupe amadora Ateneus. Trata-se de um grupo aberto a todo tipo de gente, de qualquer idade e nível de instrução. São acompanhados nos ensaios para a peça que também dá título ao filme. O diretor conversa com elas e eles, de forma individual. E é nessas conversas que se atinge o patamar mais alto, pois são revelações íntimas, confissões e reflexões sobre suas trajetórias de vida.
Em cada um deles, ou delas, há uma dor a ser relatada. Esta se encontra no centro de cada personalidade, por isso se justifica a epígrafe de André Malraux sobre conhecermos melhor uma pessoa quando sabemos de sua dor. Não há lamúrias, no entanto, nesse filme sólido e bem trabalhado. Apenas o enfrentamento que cada um faz de sua história pessoal e suas vicissitudes. Há o rapaz abandonado pelo pai, ex-guerrilheiro Tupamaro, e que tem de enfrentar a questão da identidade sexual numa sociedade machista. A mulher, já entrada em anos, que relembra o bebê perdido para uma enfermidade. A jovem que tem dúvidas sobre um suposto abuso sexual sofrido na infância. O homem que relata o tumultuado casamento que mantém com uma mulher há décadas. E assim segue.
Visualmente muito bonito, o filme é todo ambientado no teatro. Seja durante os ensaios do elenco ou na apresentação final da peça, seja nas conversas particulares que o diretor mantém com o elenco. Vida real e ficção se entrelaçam, embora o procedimento seja diferente do de Jogo de Cena, em que Coutinho mesclava pessoas anônimas com atrizes famosas. Em Olhando para o Céu são todos atores e atrizes amadores, pessoas comuns, vidas iguais a qualquer uma, a minha e a sua, hipotética leitora ou leitor.
E sua grandeza está justamente aí. Na força que imprimem à narrativa de suas próprias existências, cada uma das quais é comum e, ao mesmo tempo, única e singular. Quer dizer, incomum. Beleza de filme.