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Opinião|Existe alguma relação entre nazismo e vida empresarial?

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Há cerca de um mês, quando estreou na França, A Questão Humana provocou boa polêmica nos jornais. Afinal, esse filme de Nicolas Klotz prometia uma aproximação explosiva entre os métodos das grandes corporações e aqueles adotados pelo nazismo.

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Parece um tanto mecânico, quando descrito dessa forma. No entanto, o filme se revela muito mais complexo, e portanto muito rico em significado do que se poderia crer. As articulações entre métodos empresariais e os do Reich parecem mais sutis e menos óbvios do que pode sonhar uma vã sinopse. E, o fundamental: nesta, que é a última parte da trilogia, que já incluía Pária (2000) e A Ferida, Klotz se reafirma como diretor de recursos. Empresta à narrativa um tom poroso, aberto, ambíguo, que a coloca em abismo e desconcerta o espectador, que desse modo se identifica . Da mesma forma que trabalha desconcertando seu personagem principal.

E quem é ele? Vivido por Mathieu Amalric, atual xodó entre os atores da França, Simon é o psicólogo da filial francesa de uma empresa multinacional alemã do ramo petroquímico. É encarregado não apenas da seleção de pessoal, mas da gestão desses jovens executivos, inclusive fora do expediente. Esse mundo yuppie é pulsional, competitivo no limite do intolerável. Embalados a música pauleira, drogas e sexo compulsivo, esses jovens leões descarregam suas tensões nas baladas noturnas. É um dos aspectos do filme. Seres humanos, que se acreditam no topo do mundo, na verdade parecem pouco mais do que simples bonecos, robotizados por uma convivência social regida pela lei da selva.

Os outros desdobramentos de A Questão Humana terão por efeito tirar Simon daquilo que se poderia chamar de seu centro. Habituado a lidar com jovens alucinados pela competição, ele se mostra menos preparado quando enfrenta uma disputa interna na corporação. Simon terá de investigar um dos altos dirigentes da empresa, a mando de outro. O problema é que um deles é suspeito de haver participado diretamente no Holocausto, essa ferida permanentemente aberta na Europa e símbolo maior da ignomínia da 2ª Guerra.

A Questão Humana toma assim o caminho de uma investigação. Que progride não por um esclarecimento a cada vez maior, mas pelo adensamento do mistério. Será a consciência do investigador, Simon, ele próprio, que entrará em crise progressiva. Há um certo terror que vai tomando conta do personagem e, por certo, também do público, à medida que cacoetes e rituais autoritários vão entrando em cena. São fantasmas, sobreviventes de um passado que se quer enterrar e que ressurgem em hábitos cotidianos. Poderosos restos fascistas em uma sociedade auto-intitulada liberal.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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