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Opinião|E a grande Anita Ekberg se foi...

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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Ela é protagonista de uma das cenas mais famosas de toda a história do cinema. Quem não se lembra da loira deslumbrante, de vestido de gala e generosíssimo decote, banhando-se nas águas da Fontana di Trevi, na Roma de La Dolce Vida (1960), de Federico Fellini? Anita Ekberg, a Anitona, nos deixou hoje, aos 83 anos.

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Fellini conta que, quando viu a sueca pela primeira vez, pensou que aquela era como uma ideia platônica de mulher. " A Mulher, assim, com maiúscula, representando em si todo um ideal masculino do sexo, com aqueles cabelos, os lábios, os seios, os dentes, a pele. Uma fascinação que, na cena da Dolce Vita, deixa completamente siderado o jornalista vivido por Marcello Mastroianni. Ele entra na fonte romana, atrás da deusa, para beijá-la, até que...A cena é irresistível, e colocou no imaginário mundial a atriz, o ator e a própria fonte, esculpida por Bernini.

Esses atributos da fêmea ideal (com todo respeito) fizeram com que Fellini a chamasse de novo para o episódio por ele dirigido em Bocaccio 70 (1962). Em As Tentações do Doutor Antonio, Anitona é uma foto num cartaz de publicidade...de leite, de que mais? Em frente ao outdoor gigante mora o tal doutor Antonio Mazzuolo (Peppino De Filippo), moralista que, como todos os de sua classe, experimenta dificuldades em reprimir desejos inconfessáveis e por isso ataca o seu objeto. Sua indignação chega ao auge com a musiquinha que acompanha a propaganda do leite, cantada até por criancinhas na praça: "Bevete più latte/que latte fa bene/que latte conviene a tutte l'età". O leite, seiva da vida, convém, e, vindo do amplo regaço de Anita, mais ainda. Para enlouquecer qualquer paladino da moral e dos bons costumes.

Grande Anita. Depois a vimos, já matrona, em Entrevista (1987), também de Fellini, e, pior, em Bambola (1996), do iconoclasta Bigas Luna, já gorda demais, descabelada, numa personagem excessiva, alcoólatra, destripando peixes em uma bancada de madeira.O que não faz o tempo...

Mas a Anita que ficou para nós é aquela da Fontana di Trevi em seu tomara-que-caia preto. E a fêmea gigante a atormentar - e acalenta - o desejo do Doutor Antonio, e o de todos nós, mortais, que a víamos imensa, na ampla tela dos cinemas de antigamente. Anita nasceu para ver vista assim, na tela grande, em meio à penumbra.

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Salve, Anitona, que muito nos fez sonhar.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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