Além do mais, nada tão significativo quanto encerrar sua tetralogia do poder com este personagem. Fausto fecha a série de filmes dedicados a figuras do poder - Adolf Hitler em Moloch (1999), Lenin em Taurus (2000), Hirohito em O Sol (2005). As três primeiras são figuras históricas, "recobertas" pela última, ficcional e mítica, representando o desejo supremo de poder e a aceitação do pacto demoníaco para obtê-lo. O mito do Fausto inspirou inúmeras peças da arte ocidental, entre as quais duas obras-primas da literatura, Doktor Faustus, de Thomas Mann, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
Depois de atravessar uma cena literalmente insuportável, a dissecação de um cadáver, o espectador é introduzido na trajetória do Dr. Fausto em busca do pacto que lhe abrirá certas portas fechadas para o comum dos mortais. De acordo com Sokurov, sua intenção era recriar o ambiente no qual o personagem faz seu pacto: opressivo, escuro, nauseante às vezes, cheio de odores corporais, sujeira, céu baixo, uma sensualidade tão reprimida quanto à flor da pele. Algo próximo de um inferno. O seu Mefistófeles é, ele próprio, um ser em sofrimento; coxeia, sofre de deformidades físicas, tem o abdômen inchado e vive às voltas com problemas estomacais e flatulências. É o cão.