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Opinião|Diário de Veneza 2011: Fausto, um estudo sobre o poder

Talvez tenha surgido o grande filme de Veneza 2011 - Fausto, de Alexander Sokurov, sério candidato ao Leão de Ouro. Isso não significa que o júri, presidido por Darren Aronofsky, o reconheça como tal. Mas este é outro problema. O filme, versão muito particular da obra monumental de Goethe, é estupendo, exemplo de como afrontar um texto clássico sem deformá-lo, mas também sem se intimidar por ele. Sokurov o recria, essa é a verdade, e o faz no interior de um universo estético já reconhecido pelos apreciadores do seu cinema.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Além do mais, nada tão significativo quanto encerrar sua tetralogia do poder com este personagem. Fausto fecha a série de filmes dedicados a figuras do poder - Adolf Hitler em Moloch (1999), Lenin em Taurus (2000), Hirohito em O Sol (2005). As três primeiras são figuras históricas, "recobertas" pela última, ficcional e mítica, representando o desejo supremo de poder e a aceitação do pacto demoníaco para obtê-lo. O mito do Fausto inspirou inúmeras peças da arte ocidental, entre as quais duas obras-primas da literatura, Doktor Faustus, de Thomas Mann, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

Depois de atravessar uma cena literalmente insuportável, a dissecação de um cadáver, o espectador é introduzido na trajetória do Dr. Fausto em busca do pacto que lhe abrirá certas portas fechadas para o comum dos mortais. De acordo com Sokurov, sua intenção era recriar o ambiente no qual o personagem faz seu pacto: opressivo, escuro, nauseante às vezes, cheio de odores corporais, sujeira, céu baixo, uma sensualidade tão reprimida quanto à flor da pele. Algo próximo de um inferno. O seu Mefistófeles é, ele próprio, um ser em sofrimento; coxeia, sofre de deformidades físicas, tem o abdômen inchado e vive às voltas com problemas estomacais e flatulências. É o cão.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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