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Opinião|Diário de Brasília 2012 Veronica pode vencer

 

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Num festival de bom nível, que termina hoje à noite com a entrega dos troféus Candangos, talvez seja temerário apontar favoritos. Mesmo porque, até o horário de fechamento desta edição, ainda faltavam alguns competidores a serem exibidos: três curtas e os longas Elena, de Petra Costa (documentário), e Este Amor que nos Consome (ficção), de Allan Ribeiro. Mesmo assim, pode-se dizer que Era uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes (PE) entusiasmou o público a tal ponto que surge como um dos "premiáveis" mais fortes da seleção. Entre seus trunfos, Hermila Guedes, em estado de graça e entrega total à personagem, é tida como vencedora inquestionável do prêmio de atriz. Será injustiça se o júri não reconhecer o seu impressionante trabalho.

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Ela vive a personagem do título, Verônica, médica recém-formada, com pai idoso e doente (W.J. Solha, também em atuação marcante) e namorado ocasional (João Miguel). Começando carreira no atendimento psiquiátrico em um hospital público no Recife, Verônica é um poço de dúvidas. Mas também de sensualidade, afeto e compreensão humana.

"Para construir essa personagem, entrevistei uma série de mulheres jovens para sentir o que as preocupava, como viam o mundo e a si mesmas", conta o diretor. "Talvez todo esse material, que foi filmado, renda no futuro um documentário, se elas derem autorização para uso de imagem", diz. Enquanto isso não acontece, essa imersão no imaginário feminino rendeu a Marcelo a construção de uma personagem de ficção extremamente convincente, com toda a ambivalência que é própria do ser humano, ainda mais na juventude, ainda em fase de definição de rumos.

Impossível não se apaixonar por Verônica. Ela sente todo o mal-estar de quem não sabe ainda por onde seguir, mas tem também todo o gosto pela vida. Gosto que se exprime na sexualidade que usa com muita liberdade. "Ela é uma mulher do presente, que se aproveita da nossa época mais liberal para o gênero feminino", diz o diretor, que encontrou em Hermila uma atriz sem qualquer hesitação nas cenas, digamos, calientes. Ao mesmo tempo, ela é uma intérprete que pode mudar o rumo da história, com matizes de um rosto capaz de exprimir prazer e angústia, às vezes numa única tomada.

O filme, em sua simplicidade naturalista ("o naturalismo é a minha opção de cinema", avisa Marcelo Gomes), é daquelas obras que têm camadas de interpretação. À primeira vista, é apenas a história de uma garota em busca do seu eixo. Visto mais de perto, traz também as contradições contemporâneas. A nossa vida é cheia de angústias, por um desempenho que parece fora de alcance e pela incompreensão dos outros; ao mesmo tempo, dispomos de liberdade individual que as outras gerações não conheceram. A própria cidade é retratada em suas ambigüidades. Recife está sendo destruída pela voracidade da especulação imobiliária. Mas continua sendo a fascinante cidade do carnaval e do frevo, das praias lindas e da sensualidade à flor da pele. A vida é composta por esses contrários, não por um lado só. Nesse sentido, Era uma Vez Eu, Verônica, parece mais complexo que outros ótimos filmes pernambucanos, mas que tocam quase exclusivamente a tecla da depressão.

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Entre os documentários, Otto, de Cao Guimarães, continua na frente, embora Doméstica, de Gabriel Mascaro, tenha causado excelente impressão. O dispositivo é interessante: ele pede a sete adolescentes que registrem imagens e depoimentos das empregadas domésticas de suas casas. Com o material bruto, produz um filme bastante interessante sobre as ambíguas relações das famílias com suas empregadas.

A estratégia deu resultado. Com os jovens filmando suas foi possível captar uma relação de afeto entre elas e as famílias que, de outra forma, ficaria oculta. Mas Mascaro não se engana: "Esse afeto apenas disfarça e oculta a realidade de relações trabalhistas muito injustas nessa situação", diz.

Nota

Olho Nu, de Joel Pizzini, sobre o cantor e ator Ney Matogrosso, foi muito aplaudido pelo público. O filme foi apresentado pela produtora Paloma Rocha, representando o ex-marido, que se encontra na Alemanha. Feliz, Paloma levou ao palco sua filha, Sara, produtora associada, que está grávida de um menino. Será bisneto do cineasta Glauber Rocha (1939-1981), o mais importante do país, e de quem Paloma é filha.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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