O "x"da questão com o longa de Lordello é a narrativa nada convencional, o que em tese é muito bom. Será preciso, no entanto, por parte do espectador, certa paciência com a incerteza sobre o rumo da história. No princípio, o que se vê é um plano bastante geral de uma estrada, na qual um carro estaciona e dois adolescentes descem. São os irmãos Cris e Peu, que ficam à beira da estrada. Não se sabe direito o que aconteceu, mas eles ficam sozinhos. Peu decide procurar por alguém num posto de gasolina do qual ele tem vaga ideia da localização. Cris fica por lá, sozinha, até ser encontrada por um garoto que passa de bicicleta e decide ajudá-la. O resto da história será a trajetória da garota, uma longa volta para casa na qual ela convive com diversas pessoas que não pertencem à sua classe social.
A cada passo, ficamos sabendo um pouquinho mais sobre Cris e outros personagens, mas boa parte permanece no escuro. É um filme de matizes e tons cinzentos, com falas alusivas e diálogos naturalistas. Muitas vezes as tomadas são em tempo real. A questão social passa na contraluz, com a presença de um grupo de trabalhadores sem terra, cuja trajetória é restituída na fala de alguns personagens. Tudo é muito sutil. E o clima é de desencanto, sem tensão, sem pontos de ruptura, como a representar, na linguagem do filme, um certo mal-estar na cultura brasileira contemporânea. Não é a primeira vez que se sente isso. Lordello é do Recife. Parece fazer parte de uma geração que troca a exuberância da anterior (de Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Claudio Assis) pela angústia existencial profunda, uma deprê federal. Como se Kierkegaard tivesse baixado nos trópicos.