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Opinião|Diário da Mostra 2011: Imagens de coragem e dor

Imagens extraordinárias da Guerra Civil Espanhola foram encontradas em 2007 em três caixas no México. Os negativos pertenciam a Robert Capa, Gerda Taro e David Seymour ("Chim") e foram batidos durante o conflito que opôs republicanos e fascistas na Espanha entre 1936 e 1939. O conteúdo dessas caixas e a saga de sua viagem, desaparecimento e reencontro são os temas deste A Maleta Mexicana, de Trisha Ziff, documentarista de origem inglesa e que vive no México.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

No filme, são apresentadas mais de 300 dessas fotos (de um total de 4.500 negativos) e contada a saga dos fotógrafos que, praticamente, reinventaram o fotojornalismo de guerra. Conforme se explica no filme, antes deles o registro fotográfico ocupava-se do antes e do depois das batalhas. Temerários, Capa e seus amigos arriscavam a pele para registrar cenas da ação - enquanto ela acontecia. Daí o frescor, a beleza e a força dessas imagens em preto e branco. Elas cheiram a pólvora - e também a compaixão humana diante do sofrimento.

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Tal coragem cobrou seu preço. Nenhum dos três fotógrafos teve morte natural. Gerda morreu esmagada por um tanque, na Espanha. Capa pisou numa mina na Indochina e Seymour morreu de um tiro em Suez.

Eram aventureiros, no melhor sentido do termo. A alemã Gerda, o polonês Seymour e o checo Capa refugiaram-se do clima hostil aos judeus na Paris dos anos 30. Tornaram-se amigos e, depois, Capa casou-se com Gerda. Suas fotos ilustravam as revistas mais conhecidas da época como Regards, Ce Soir, Vu e a americana Life.

Saíram do seu conforto civilizado não apenas para registrar de maneira imparcial uma guerra, mas porque nutriam simpatia pela causa republicana, contra o fascismo. Empunhar uma máquina fotográfica, registrar o que viam e depois repassar o resultado do trabalho ao mundo era uma forma de luta. Achavam, por incrível que isso hoje pareça, que a fotografia podia mudar o mundo. E, talvez ajudasse mesmo a mudá-lo, tamanha era a força de divulgação dessas imagens.

A reconstrução da trajetória desses negativos, dados como perdidos, não é menos aventurosa que a presença dos fotógrafos no teatro de guerra. Com a derrota dos republicanos, as fotos saíram clandestinamente da Espanha, passaram por campos de refugiados na França e foram desembarcar no México. Nada mais natural, pois o México foi o país que mais acolheu os espanhóis derrotados por Franco. Junto com eles veio a valise, que durante muitos anos ficou repousando na casa de um general mexicano.

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As fotos registram episódios importantes da Guerra Civil como as batalhas de Teruel e do Rio Segre, a defesa de Barcelona, além do êxodo através de Tarragona e Barcelona rumo à fronteira francesa. Há cenas mais domésticas, como a foto de Gerda, em Paris, escrevendo à máquina. A maior parte, no entanto, pertence ao campo de batalha.

Como documentário, A Maleta Mexicana é muito bem construído. Explora de maneira adequada a dramaticidade das imagens captadas por Capa, Gerda e Seymour. Articula o seu desaparecimento com a questão da memória, em especial a dos derrotados, recalcada mas que acaba por ressurgir.

E conta com a preciosa análise de um intelectual mexicano e seu diagnóstico preciso: o perigo, hoje, é essas fotos serem vistas apenas por seu valor estético, porém descontextualizadas da sua história política, de sofrimento e coragem.

(Caderno 2)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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