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Opinião|Cine Ceará e a Mulher sem Piano

FORTALEZA - Um Cine São Luiz cheio apenas pela metade depois da vitória do Brasil sobre o Chile, assistiu a uma ótima amostra do novo cinema espanhol - A Mulher sem Piano, de Javier Rebollo. Filme de corte minimalista, fala sobre a solidão de uma mulher de meia-idade, depiladora profissional, e que vive com um marido que não lhe dá a mínima bola.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Essa obra de planos parados, lenta, reflexiva e cheia de melancolia talvez não se adapte bem ao clima de Copa do Mundo. Mas quem deixou de ir ao cinema perdeu uma experiência rara, dessas iguarias para cinéfilos de fino trato. A Mulher sem Piano vale muito pelo rigor dos seus enquadramentos e sua decupagem. Vale pela utilização sempre surpreendente da música. Vale pela intensidade de sua personagem principal, Rosa (Carmem Machi). E vale ainda mais por aquilo que é sugerido e nunca dito diretamente. Quer dizer, exige do espectador participação para compreender aquele universo íntimo feminino.

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Há um pano de fundo histórico, visível apenas por imagens de TV. O dia em que acontece a história é 16 de março de 2003, quando o primeiro-ministro de Portugal, José Manuel Durão Barroso, recebe Bush, e os então premiês Tony Blair, da Grã-Bretanha, e José Maria Aznar, da Espanha, para concertarem a aliança contra o Iraque. Fala-se das armas de destruição em massa (que, afinal, não foram encontradas) e no ultimato a Saddam Hussein. Os negócio escusos do grande mundo continuam enquanto Rosa dá seguimento à sua pequena vida.

Vida em crise, com marido indiferente, sexo limitado ao vibrador de estimação, conversas com as clientes. Rosa resolve mudar. Faz a mala e decide viajar, mas mesmo ela não poderia supor que tipo de viagem estaria iniciando no momento em que deixa a casa e se dirige à estação rodoviária de Madri. Lá encontra, por acaso, o polonês Rodek, minucioso, amante de consertar objetos quebrados, e que só espera ser preso pela polícia do seu país em função de uma dívida que não conseguiu pagar.

Se, com essa história, alguém espera ver um caso de amor convencional, pode desistir. Com seus planos parados e travellings lentos, Javier Rebollo recorta uma fatia de solidão urbana como há muito não se via. É filme que, por suas lacunas que falam muito, lembra o universo de Aki Kaurismaki em Um Homem sem Passado. Rosa parece uma mulher sem futuro. Mas ela também dá a impressão de que pode muito bem inventar alguma coisa de diferente para si.

Belo filme, já sério candidato ao troféu principal do Cine Ceará.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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