Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Cine Ceará 2016. O espanto de 'Menino 23' e outros filmes  

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

Fortaleza - Com Menino 23, de Belisário Franca, o Cine Ceará atingiu o nível mais alto deste ano - pelo menos até agora. O filme mostra a comovente história de 50 crianças negras que viviam num orfanato no Rio de Janeiro, e foram "adotadas" por uma família rica e levadas para uma fazenda no interior de São Paulo. Lá viveram, sem remuneração, trabalhando de sol a sol e sofrendo punições físicas em caso de insubordinação. O filme baseia-se numa tese de doutorado do historiador Sidney Aguilar.

PUBLICIDADE

Sidney conta que a ideia da tese surgiu quando uma aluna trouxe a ele um simples tijolo antigo, mas que trazia uma marca de fabricação inusitada - uma suástica. Ele seguiu essa pista e chegou a uma incrível história de uma época em que no Brasil se seguia uma política higienista, baseada nos princípios do fascismo e do nazismo. Tal "ambiente" cultural tornava possível que se importasse garotos pobres (negros em sua maioria) e os levasse ao interior para prestarem trabalho escravo. O título do filme - Menino 23 - baseia-se no fato de que as crianças eram tratadas por números na fazenda. Na apresentação no Cine São Luiz, a obra foi ovacionada pelo público.

 

Entre os outros longas apresentados, os melhores até o momento são o basco Avó e o mexicano Epitáfio. Avó, de Asier Altuna, mostra as relações familiares no mundo rural do País Basco. Dominada por um patriarca autoritário e rígido, mas tendo como figura basilar a doce e calada a avó idosa, a família cinde-se com o avanço da modernidade e o apelo sentido pelos jovens pela vida urbana e independente. Boa fase do cinema basco, que brilhou ano passado, aqui mesmo no Cine Ceará, com Loreak (Flores).

Em chave oposta, Epitáfio, do casal mexicano Yulene Ozaiola Rubén Imaz, trabalha com a temática da conquista espanhola na América, no México em particular. "Escolhemos o tema a partir da leitura de um clássico da colonização, o livro História Verdadeira da Conquista da Nova Espanha, de Bernal Diaz del Castillo, uma obra do século 16", diz Imaz. Quem aconselhou a leitura foi o cineasta alemão Werner Herzog, que considera o volume inesgotável manancial de histórias fabulosas. Os diretores, de fato, construíaram a a partir de singelos dois parágrafos da obra de Del Castillo. Fala de três homens que precisam atravessar um vulcão coberto de neve, o Popocatéptl, de 5400 metros de altitude. Os atores, não profissionais, dialogam com frases contidas no livro. As imagens são dessaturadas, tendendo ao preto e branco, e procuram mostrar o que acontece na mente dos homens quando submetidos ao extremo de privações, medo, frio e fadiga. "Queríamos mesmo estudar o ponto de vista dos conquistadores", pouco explorado pelo cinema, disseram o diretores. O filme é muito bonito, tenso, e mostra até onde pode levar a loucura pela conquista e pelo poder - tema, inútil dizer, muito atual, embora a trama se passe em 1519.

O brasileiro Maresia, de Marcos Guttman, baseia-se em Barco a Seco, de Rubens Figueiredo, prêmio Jabuti de melhor romance em 2002. Conta uma história em dois tempos. Numa, o pintor atormentado Emilio Vega troca seus quadros por refeições ou por uma garrafa de vinho. Noutra, Gaspar trabalha numa galeria de arte e é especializado na arte de Vega, famoso e valioso após sua morte. Os dois personagens são interpretados por Julio Andrade. O filme, que tem méritos, dá impressão de ter comprimido uma matéria ficcional muito rica mas que não se explicita na tela. Deixa pontas soltas e não alcança a intensidade que, pressente-se, possui o original. Joga numa temática rara no cinema brasileiro (a meditação sobre as artes), vale-se de bons atores, mas falta-lhe profundidade.

Publicidade

Já o panamenho Salsipuedes, de Ricardo Aguilar e Manolito Rodrigues, é apenas amadorístico. A história do personagem que volta ao Panamá depois de estudar nos Estados Unidos e reencontra o pai, antigo campeão de boxe, depois voltado ao crime, não se segura. Cai num dramalhão meio descabelado, com saídas folhetinescas e mal filmadas. Decepcionou.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.