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Opinião|Brasília 2016: Antes da premiação

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
Beduíno, de Julio Bressane Foto: Estadão

 

Daqui a pouco no Cine Brasília conheceremos os vencedores do 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Antes, passa Baile Perfumado, que venceu o festival em 1996. Vinte anos!

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Ontem, fiz uma prospecção, que saiu hoje na versão impressa do jornal. Não havia visto ainda dois concorrentes, o curta Os Cuidados que se tem com o Cuidado que os Outros Deve ter Consigo Mesmos, de Gustavo Vinagre, e o longa Deserto, de Guilherme Weber. Acho que o quadro montado ontem não se altera com a presença desses dois últimos concorrentes.

Dois bons filmes. O primeiro, um grupo de amigos que mora num apartamento, enquanto nas ruas fervem as manifestações pró e contra o impedimento da presidente. Tem um frescor de narrativa e mostra a política infiltrando-se na intimidade. Lembre de Una Giornatta Particolare, de Ettore Scola, mas Gustavo disse que não conhecia o filme. 

O outro, Deserto, é uma versão barroca e alegórica das injustas fundações da civilização brasileira. Um grupo de artistas mambembes se perde no deserto e encontra uma cidade abandonada. Resolve ocupá-la e tiram a sorte para ver quem preenche determinados papéis sociais. Desse modo, o anão passa a ser o padre, a pianista vira cozinheira e o homem forte torna-se a puta do lugarejo. É baseado na novela Santa Maria do Circo, do mexicano Davi Toscana. Fiquei curioso e vou ler o livro. 

No entanto, achei a alegoria um tanto pesada e óbvia, mas o registro fotográfico é belíssimo, e existe, por parte de Weber, essa ambição de descer aos fundamentos da nossa injustiça social.

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Gostaria de registrar também a sessão de ontem à noite, com Beduíno, o novo filme de Julio Bressane com Alessandra Negrini e Fernando Eiras. Passou fora de concurso. É um Bressane puro, com grande beleza visual e périplo pela cultura universal, da filosofia à literatura e à pintura. Tivemos hoje um excelente debate com Bressane e equipe. Acho que foi um dos pontos altos do festival.

 

Abaixo, o texto escrito para o jornal:

 

BRASÍLIA - Os troféus Candango serão entregues hoje à noite no Cine Brasília aos vencedores da 49ª edição do mais antigo festival de cinema do país. Há favoritos? Sim, claro, os favoritos do crítico que escreve estas linhas. Quanto ao júri, só Deus sabe quem vai premiar. Mesmo porque talvez seja mesmo difícil apontar favoritos disparados numa mostra que se caracterizou por certo equilíbrio. Vale também dizer que este texto foi redigido antes da apresentação dos últimos concorrentes - o longa Deserto, de Guilherme Weber, e o curta Os Cuidados que se Tem com o Cuidado que os Outros Devem Ter Consigo Mesmos, de Gustavo Vinagre. Antes da premiação será apresentado o longa Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que venceu o festival 20 anos atrás.

Dito isso, é preciso reconhecer que existe um bom número de filmes "premiáveis". Nenhum deles, provavelmente, é mais importante que Martírio, uma desses filmes ditss definitivos sobre a questão indígena brasileira. É uma espécie de depuração da obra de toda a vida de Vincent Carelli, sempre dedicada ao tema a partir do coletivo Video nas Aldeias. Assim como já tinha sido o caso do coc anterior de Carelli, Corumbiara, também Martírio avança nesse terreno, contextualizando-o e levantamos suas raízes históricas. Soubemos que ele prepara novo longa, que será o fecho da trilogia dedicada ao genocidio indígena no País. Se o júri irá reconhecer essa importância, não se sabe. Mas acho difícil que Martírio saia de Brasília sem algum prêmio importante. Merece, até agora, o troféu principal.

Há outros concorrentes dignos de prêmios. Por exemplo, chamou a atenção a leveza narrativa de A Cidade onde Envelheço, de Marilia Rocha, sobre as experiências de duas jovens portugueses em Belo Horizonte.

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O "faroeste" gaúcho Rifle, de Davi Pretto, com seu andamento particular é uma visão original sobre o conflito de terras. Sua força está na linguagem cinematográfica alusiva, porosa, explorando os espaços vazios como elemento expressivo.

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Elon Não Acredita na Morte, de Ricardo Alves Jr., aposta na questão do enlouquecimento da paixão e trabalha muito com a câmera na mão, numa narrativa por vezes envolvente.

Vinte Anos, de Alice Andrade, volta a Cuba para registrar como em duas décadas se altera o cotidiano de três casais filmados duas décadas antes pela diretora. As dificuldades, a sensação de sonho socialista acabado, mas tudo tratado com delicada sutileza, tudo está neste lindo filme, tão triste quanto terno. É o registro do fim de uma era, substituída por outra que ninguém sabe o que será.

Antes o Tempo não Acabava, dos amazonenses Sérgio Andrade e Fábio Baldo, retoma a questão indígena, tão presente neste festival, agora sob a forma de ficção. Fala de Anderson, um índio que deixa sua aldeia para viver em Manaus. No debate, o filme foi massacrado por um grupo de antropólogas, que questionaram a crítica às tradições supostamente conservadoras dos indígenas e a visão da cidade como alternativas mais promissora. Seria o ponto de vista "branco" sobre realidade indígena, com sua carga de preconceitos e autoritarismo. Independente disso, o filme tem qualidades.

Entre os curtas, o mineiro Constelações, de Maurilio Martins, parece o mais bem construído, pelo menos até agora. Os monólogos do casal, um falando em português, outra em dinamarquês, o drama de fundo que entra aos pouquinhos na cena principal e um desfecho de fato impactante marcaram a presença deste filme no festival.

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O Delírio é a Redenção dos Aflitos, do pernambucano Fellipe Fernandes, também tem qualidades. Narra o desespero de uma mãe (Nash Laila) que precisa se mudar com o filho pequeno de um edifício prestes a desabar.

Procura-se Irenice, do paulista Thiago B. Mendonça, resgata uma figura do passado, a atleta Irenice Maria Rodrigues, perseguida no tempo da ditadura. Um trabalho de prospecção, responsabilidade histórica e invenção narrativa. Muito bom.

 

Ponto a Ponto

 

Martírio, de Vincent Carelli. Narra a saga da demarcação do território dos Guarani-Kaiwá, contextualizando-a desde o século 19 aos dias atuais. Filme definitivo sobre o tema.

 

Rifle, de Davi Pretto. Conta a história de Dione, jovem camponês que não se conforma quando um latifundiário tenta se apossar do sítio da família. Visão original sobre o conflito pela terra.

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Vinte Anos, de Alice de Andrade. No tempo em que estudava no país, a diretora fez um curta sobre três casais cubanos. Volta a procurá-los, vinte anos depois, para saber como suas vidas mudaram.

 

A Cidade onde Envelheço, de Marilia Rocha. Duas jovens portuguesas dividem apartamento em Belo Horizonte e lançam seus olhares estrangeiros sobre o Brasil. A espontaneidade e a fluência narrativa fazem o encanto desse filme simples.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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