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Cinema, cultura & afins

Opinião|As meditações de Woody Allen sobre o crime e a culpa

Woody Allen vem refletindo sobre o crime, o pecado e a consciência moral ao longo de vários filmes, como Crimes e Pecados (1989), Match Point (2006) e agora, com Homem Irracional (2015).

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Crimes e Pecados Foto: Estadão

 

Em honra a Homem Irracional, que entra hoje em cartaz, voltei a um filme mais antigo de Woody Allen, Crimes e Pecados, no qual ele trata de temática semelhante. Crime, castigo, impunidade, consciência moral. São recorrentes. Estão também no mais recente Match Point (2006).

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Dizem que Woody se repete. Et alors? E daí? Artistas se repetem. Jornalistas se repetem. Nós nos repetimos. Não podemos fugir às nossas obsessões. Nelson Rodrigues dizia que toda a sua obra podia se resumir a uma meditação sobre o amor e a morte. Acham pouco?

Bem, em Crimes e Pecados, lá está Woody (atenção, aí vêm spoilers) fazendo papel de si mesmo, o cineasta íntegro, mas de pouco sucesso, que assistirá o arrivista medíocre e cafajeste (Alan Alda) levar tudo, inclusive sua namorada (Mia Farrow). Mas Woody, em seu personagem Cliff, apenas ronda a ação, como testemunha em sofrimento, digamos.

No centro, mora outra figura, o notável oftalmologista Judah Rosenthal (Martin Landau), rico, famoso e bem casado, mas que um dia se engraça de uma mulher mais jovem (Anjelica Huston), suficientemente disposta e desequilibrada para querer estragar a vida do amante, caso ele não rompa o casamento e fique com ela. Acontece queDolores (Anjelica) fica também sabendo de algumas negociatas de Judah, escondidas sob o manto da filantropia. E, sob esse tipo de chantagem dupla, amorosa e econômica, Judah vê sua vida ameaçada. Um irmão estroina, que conhece os tipos certos, pode resolver seu problema. Mas essa opção oferece custo moral elevado. Não se tira a vida de alguém impunemente. Ou sim? Esta, no fundo, a discussão de Allen. O crime leva ao castigo? Senão na justiça dos homens, ou na justiça divina, ao menos nesse implacável tribunal ético, chamado consciência, que todo homem supostamente carrega dentro de si? Nada de mais duvidoso.

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Match Point Foto: Estadão

Questão que será retomada em Match Point e, agora, em Homem Irracional. Em Match Point temos situação semelhante. Tenista decadente faz ótimo casamento de conveniência, mas torna-se amante de uma mulher irresistível, Nola (Scarlett Johansson). Quando esta começa a criar problemas, terá de ser afastada em nome da estabilidade matrimonial (e financeira, claro).

Homem Irracional Foto: Estadão

Os dois primeiros filmes são mais duros, talvez mais incisivos em sua descrença profunda. Homem Irracional é outra etapa da meditação de Allen sobre o castigo e a culpa. É como se recuasse um pouco diante do horror de suas conclusões anteriores. Como se o destino se incumbisse, afinal, de nos dar satisfações dos desatinos dos personagens e se encarregasse o acaso de punir o delinquente. Este não escapa ileso, mas não cai na rede da justiça humana e nem na da justiça divina. Apenas é engolido pelo acaso e não pela necessidade de uma punição inevitável, que regularia a ordem do mundo. Não há ordem, afinal. E justiça se faz apenas por acidente de trabalho.

Pífio consolo. Filmes brilhantes.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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