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Opinião|Agente Triplo, a aventura de Rohmer na espionagem

Um filme de espionagem como você nunca viu. Agente Triplo, de Eric Rohmer, se distingue em tudo dos OO7 da vida, ou mesmo de espécimes mais sofisticados do gênero, e se resolve quase por completo no âmbito da palavra e não no da ação. Também a sua época não é a preferida dos filmes típicos de espionagem, a Guerra Fria entre as duas então superpotências, Estados Unidos e União Soviética. Situa-se em época anterior, anos 1930, em Paris, no período que precede a 2ª Guerra Mundial.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Fiodor (Serge Renko) e Arsinoé (Katerina Didaskalu) vivem num apartamento em Paris. Ele é um russo branco, filiado a um grupo czarista que conspira contra o regime comunista implantado pela revolução de 1917. Ela é uma pintora grega. O casal estrangeiro tem como vizinho um casal francês, simpatizantes comunistas. A diferença ideológica não impede a amizade entre eles.

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Mas, enquanto isso, a situação internacional se agrava. Na França, assume o governo socialista da Frente Popular, de Leon Blum. Na vizinha Espanha estoura a Guerra Civil entre republicanos e fascistas. A Alemanha se arma de maneira ostensiva. A guerra parece inevitável. E ela certamente virá. Paris situa-se no centro dos acontecimentos e maior parte das pessoas leva a vida como pode enquanto o pior não começar. Há um clima de urgência no ar, e este se sente nos diálogos dos personagens. Como um frenesi de viver, já que não se haverá um amanhã.

Enquanto Paris ferve, Fiodor se ausenta em sucessivas viagens. A própria mulher não sabe aonde ele vai, "por razões de segurança". Um conhecido julga tê-lo visto em Berlim. Mas o que estaria fazendo lá? Nesse meio tempo, sua esposa, Arsinoé, linda e elegante, começa a apresentar problemas de saúde. Precisa de tratamento médico adequado. Onde consegui-lo? Fiodor se empenha, porque ama Arsinoé.

Todos, no filme, falam muito. Fiodor mais que todos. O interessante é que, quanto mais se fala, mais ambígua se torna a situação. Como se as palavras, ao invés de comunicar ou descobrir uma realidade, servissem para ocultá-la, ou dissimulá-la na neblina. Já se disse da guerra que ela é como uma neblina. Nunca vemos com clareza o que está acontecendo. No pré-guerra é a mesma coisa. "Às vezes é melhor falar a verdade, porque é a última coisa em que acreditarão", diz um personagem. Sim, dizer a verdade para mentir melhor.

Esse teatro de sombras é filmado à maneira de Rohmer, clássica, despojada, sem qualquer gordura. Um cinema ascético, estupendo. Agente Triplo nunca foi lançado comercialmente no Brasil.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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