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Opinião|Adeus a Yoná Magalhães

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Sei que foi vasta a carreira de Yoná Magalhães, que nos deixou hoje aos 80 anos. Mas gostaria de lembrar sobretudo de um papel que a inscreve na história do cinema brasileiro. Ela é Rosa, mulher do vaqueiro Manuel (Geraldo Del Rey), em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), uma das obras-primas de Glauber Rocha.

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Nos meios cinematográficos, a história de sua entrada no filme é famosa. Ela era esposa do baiano Luis Augusto Mendes da Costa, que se ofereceu para produzir o longa-metragem de estreia do conterrâneo. Glauber então convidou a esposa do produtor para o principal papel feminino da sua saga camponesa. Yoná tinha mais layout de grã-fina, mas dirigida por Glauber assumiu seu papel de sertaneja. Durante as filmagens, acordava às 4h da manhã para estar às 7h na região de Cocorobó, em Canudos, e nas pedras do Monte Santo, na Bahia, onde estava montado o set. O calor era infernal, o diretor era um visionário, mas Yoná aguentou bem o tranco.

Como Rosa, Yoná acompanha o marido em sua fuga pelo sertão, que Glauber usa como metáfora para a tomada de consciência do povo em sua luta pela libertação. No percurso, Rosa mata o beato Sebastião (Lídio Silva), significando assim a ultrapassagem da face mística da trajetória. Depois se junta ao cangaço e, no plano final, é vista correndo junto com Manoel rumo ao mar.

Esse filme empolgante foi rodado em 1963, época em que se confiava na emancipação popular através da tomada de consciência da sua própria exploração. Glauber alegoriza essa ideia. Faz de Rosa e Manoel representantes do povo oprimido que, depois de atravessar várias fases (a exploração pelo dono da fazenda, o misticismo de Sebastião, a violência cega do cangaço), toma consciência de si e corre em direção ao mar, ou seja, à ampliação de limites e horizontes.

Uma bela utopia, comprometida de morte no ano seguinte, com o golpe civil-militar.

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Só este papel já justifica toda uma carreira. Yoná teve, no entanto, participação em outros filmes como Alegria de Viver (1957), Um Desconhecido Bate à Porta (1963), Society em Baby Doll (1965) e Opinião Pública (1967), assim como em novelas de TV como O Sheik de Agadir, Eu Compro Essa Mulher, O Grito, Saramandaia, Sinal de Alerta, Roque Santeiro e Tieta.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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