Entre nós, houve a atuação emocionante de Ronaldinho no sábado. Iluminado, ele fez três gols, construiu belas jogadas, dominou o jogo. Verdade, foi contra o Figueirense, uma das apostas mais seguras ao rebaixamento. Mesmo assim, houve quem dissesse que Ronaldinho não jogava desse jeito desde 2006, quando era o melhor do mundo, antes de naufragar naquela Copa em que o Brasil era tido como favorito. A bem da justiça, naquela Copa o Gaúcho não foi náufrago solitário. A equipe toda foi ao fundo, do roupeiro ao presidente, como um lamentável Titanic.
Voltemos ao presente: Ronaldinho foi saudado como craque redivivo e não faltaram comentários do tipo "Ah, se ele jogasse sempre assim..." Bem, ninguém joga sempre assim. O mínimo que se pode exigir de um craque é certa regularidade. Mas, mesmo essa qualidade da constância o Ronaldinho vem mantendo em sua fase atleticana. Para quem saiu do Flamengo com o rótulo de "ex-jogador em atividade", a volta por cima é significativa. Ele tem sido decisivo para o time mineiro em suas pretensões a um título que não vê desde 1971.
Não que já não tenhamos visto atuações antológicas do Ronaldinho no Brasil. Lembram daquele mágico Flamengo 5 x 4 Santos na Vila Belmiro, no qual ele ofuscou até mesmo Neymar? Mas este jogo no Independência parecia especial. As câmeras mostraram como ele chorou após marcar o seu primeiro gol, aquele golaço improvável, por cobertura. Por que chorava? Descobriu-se que seu padrasto havia falecido na véspera. A própria mãe do craque parece que está muito doente. Com essa carga sobre os ombros, Ronaldinho tomou-se de emoção e devolveu em futebol a dor que vida lhe causava. Ele, sempre tão lembrado pela vocação boêmia, era turbinado em campo pelo mais elementar sentimento humano - a revolta diante do destino, a angústia da mortalidade, da nossa condição plebeia e perecível. Foi, talvez, esse sentimento confuso da finitude que forneceu ao craque as armas para uma atuação inesquecível.
Que paradoxo, não é verdade? Quando sentimos a morte de perto, na perda de um ente querido, mais vontade temos de nos afirmarmos como vida. O luto do Gaúcho, naquele sábado, terminou numa explosão de alegria da torcida. O futebol só não suporta é a indiferença.
* Coluna publicada no Caderno de Esportes do Estadão