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Cinema, cultura & afins

Opinião|Dois amigos e uma onda

Essa onda não para de bater na praia. Mais de 50 anos depois de estourar, a nouvelle vague, que revolucionou o cinema francês com filmes como Os Incompreendidos, Jules e Jim, Acossado, Nas Garras do Vício, A Chinesa e outros, ainda é notícia no panorama do cinema mundial. Antes mesmo de ser lançado em Paris, estreia amanhã em São Paulo o documentário Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague, sobre o conturbado relacionamento de suas duas figuras principais, Jean-Luc Godard e François Truffaut. Sai na França uma nova biografia de Godard, obra polêmica e já devidamente desautorizada pelo próprio biografado. E a Imovision promete, para julho, um DVD de preciosidades, com os primeiros curtas-metragens dos jovens rebeldes do cinema francês.   Quando se fala em nouvelle vague, fala-se, claro, em Claude Chabrol, Eric Rohmer e Jacques Rivette. Mas os mais famosos são mesmo Jean-Luc Godard e François Truffaut. Eles foram amigos de unha e carne, companheiros de estrada, irmãos de sangue unidos nessa seita de fanáticos do século 20 chamada cinefilia. Um era de origem proletária, o outro vinha da alta burguesia suíça e se reuniram em torno da figura carismática de André Bazin, fundador da mitológica revista Cahiers du Cinéma. Truffaut e Godard tornaram-se críticos de cinema, escreveram nos Cahiers e se ajudaram mutuamente quando passaram a dirigir seus próprios filmes. Lutaram as mesmas lutas durante alguns anos. Organizaram passeatas para reintegrar à Cinemateca Francesa seu diretor, Henri Langlois, demitido pelo ministro da Cultura André Malraux em 1968. Paralisaram o Festival de Cannes no furor do maio de 68 francês. Depois brigaram, trocaram cartas insultuosas, se afastaram e viraram inimigos figadais. Tornaram-se os irmãos Karamazov do cinema francês. Eles são os personagens principais do documentário, que tem roteiro de Antoine de Baecque e direção de Emmanuel Laurent. Baecque não veio, mas Laurent está em São Paulo para o lançamento do filme. Conversou com o Estado durante o lançamento do filme no Cine Reserva Cultural. Truffaut morreu cedo, em 1984, com apenas 52 anos, vítima de um tumor cerebral. Deixou obras como Os Incompreendidos, Jules e Jim, Beijos Proibidos, filmes de coração de qualquer cinéfilo que se preze. Godard vai fazer 80 em novembro e acaba de lançar seu Film Socialisme no Festival de Cannes. Mais uma provocação na carreira desse demolidor, que assina filmes como Acossado, A Chinesa e Je Vous Salue Marie, proibido pelo Brasil da Nova República, logo depois que se proclamara extinta a censura no País. Preciosidade. A mesma distribuidora Imovision, que lança agora o documentário sobre Godard e Truffaut, em julho põe no mercado essa preciosidade que é o DVD com os curtas-metragens em que os então jovens críticos começavam a experimentar seus músculos como cineastas. Fazendo parte da coleção Primeiros Filmes, lá estão nomes famosos como Alain Resnais, Jacques Rivette, Patrice Leconte, Jacques Doniol-Valcroze e Jean-Pierre Melville. E, claro, a dupla então tida como inseparável Jean-Luc Godard e François Truffaut. Eles assinam juntos Une Histoire d"Eau, filme que testemunha essa bela amizade, em que um escrevia um roteiro para o outro e podiam assinar juntos um singelo curta-metragem. Eram os bons tempos. No início, conta Emmanuel Laurent, sua ideia era fazer um filme sobre a nouvelle vague. Encontrou a parceria ideal em Antoine de Baecque, que já havia escrito a biografia de Truffaut e, na ocasião, trabalhava na de Godard. Quer dizer, era um expert da nouvelle vague. "Além disso, Baecque é crítico de cinema e historiador profissional, com obras sobre o século 18 francês. Sabe pesquisar um arquivo e dele extrair informações. Foi um parceiro ideal, sem o qual o filme não existiria", diz. Mas, além disso, houve o problema do recorte a ser dado às informações. Na montagem, Laurent percebeu que tinha um material imenso, mas muito dispersivo, "sem coluna vertebral". Do primeiro propósito, que era fazer um filme mais amplo, sobre a nouvelle vague, preferiu se concentrar na amizade entre Godard e Truffaut. "Já havia filmes sobre a nouvelle vague, alguns muito bons; preferi então tratar dessa amizade problemática, coisa que ninguém ainda havia feito. Desse forma encontrei um eixo para o filme." O documentário assinala alguns paralelismos entre as obras dos dois cineastas, que dialogavam entre si. "Truffaut faz Jules e Jim e Godard, Uma Mulher É Uma Mulher, ambos sobre triângulos amorosos. Truffaut faz Um Só Pecado e Godard, Uma Mulher Casada, sobre o adultério." Havia mais: Jean-Pierre Léaud, alter ego de Truffaut desde Os Incompreendidos, passou a trabalhar também com Godard a partir de A Chinesa, em 1967. "Léaud sofreu muito com a ruptura dos dois. Até hoje é uma pessoa atormentada e psicologicamente frágil", diz Laurent. PARA ENTENDER Movimento foi formado por críticos Nos anos 1950, um grupo de jovens críticos reuniu-se em torno dos Cahiers du Cinéma, revista fundada em 1951 por André Bazin. Seus nomes: François Truffaut, Jean-Luc Godard, Erich Rohmer, Claude Chabrol e Jacques Rivette. Romperam com o cinema francês, que, com exceções (como Jean Renoir) detestavam. Substituíram antigas referências por novas, como Howard Hawks, Orson Welles, Nicholas Ray e Alfred Hitchcock. Usaram a crítica como ponto de partida para se tornarem cineastas. Alguns deles estrearam com filmes notáveis, como Chabrol com Nas Garras do Vício, Truffaut com Os Incompreendidos e Godard com esse divisor de águas que é Acossado. Com seu filme de estreia, Truffaut provocou comoção no Festival de Cannes de 1959, trazendo fama ao grupo e tornando conhecida a "nova onda", a nouvelle vague. / L.Z.O.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

(Caderno 2, 27/5/10)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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