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Opinião|2013: o Oscar das oportunidades perdidas

 

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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 Foto: Estadão

Dizem que Hollywood é a meca do espetáculo. Vendo-se o Oscar 2013 há razões para duvidar. Além do humor para lá de duvidoso do apresentador Seth MacFarlane, dirigindo uma cerimônia longa, arrastada e tediosa, a Academia presidiu uma histórica oportunidade perdida. Já imaginaram o efeito da primeira-dama Michelle Obama anunciando Lincoln como vencedor? Afinal, o filme de Steven Spielberg trata do processo histórico que se inicia com a aprovação da 13.ª Emenda, passa pela luta pelos direitos civis dos anos 1960 e culmina com a chegada de um casal afrodescendente à Casa Branca, fato impensável, digamos, uns 15 anos atrás. Que nada: Michelle, charmosíssima, limitou-se a anunciar a vitória de Argo, filme que tem, sim, qualidades, e celebra a ação da CIA na política externa. Na época dos drones, talvez seja essa mesma a verdade sobre o governo Obama, para decepção de cabeças mais liberais.

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Em todo caso, para quem vive de espetáculo, a vitória de Lincoln teria sido um trunfo e tanto. Mas não aconteceu. Pelo contrário, foi uma acachapante derrota para Spielberg, que além de perder o troféu de diretor para Ang Lee, viu seu filme, indicado em 12 categorias, emplacar apenas em duas - ator, na barbada maior desta edição, para Daniel Day-Lewis, e direção de arte, que agora estão chamando de design de produção.

Lincoln era, no entanto, o filme mais sólido em concurso - tirando, é claro, o melhor de todos, Amor, do austríaco Michael Haneke, que venceu na parte que lhe tocava, filme estrangeiro, e não nas outras categorias em que estava indicado, atriz (Emmanuelle Riva) e diretor (Haneke). Seria a maior surpresa do ano, maior que se Obama renunciasse ao uso de aviões telecomandados, se Amor vencesse na categoria principal. Ainda mais um ano depois de a Academia ter dado o mais cobiçado troféu a um filme francês, mudo e em preto e branco. Fenômenos como O Artista são exceções, nunca a regra. A regra da Academia consiste em celebrar as próprias produções. Para isso foi criada e para isso patrocina a festa mais midiática do planeta.

O vencedor, Argo, faz concessões demais ao clichês do suspense, embora seja bom de se ver. Ninguém se entedia com essa boa história do resgate de seis cidadãos americanos de Teerã, em 1979. Exalta a criatividade de um agente, Tony Mendez (Affleck) e do seu suporte cinematográfico, engabelando a milícia xiita, o que talvez proporcione prazer adicional ao espectador nos EUA. Prazer catártico, digamos. Bom, melhor assim que a justificativa implícita da tortura como meio de interrogatório expresso em A Noite Mais Escura, de Kathryn Bigelow, que ficou apenas com edição de som. Problemático e ambíguo, é bom filme, sem dúvida. Os de Leni Riefenstahl também eram. Não basta ser bom: o cinema coloca também questões éticas e não apenas considerações estéticas ou técnicas.

Tudo somado, quem se deu bem foi As Aventuras de Pi, que saiu com quatro troféus, incluído o de melhor diretor, este mesmo que todos julgavam destinado a Spielberg. Em seu filme mais denso, sério, sem concessões e maduro, ou seja, em sua obra menos spielberguiana, o diretor de E.T., Indiana Jones e Tintim, pérolas do cinema de entretenimento, foi punido. Talvez seja uma mensagem da Academia a um dos seus membros mais influentes. Verdade que Spielberg foi premiado por filmes "sérios", como A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan. Mas talvez, em Lincoln, através do seu roteirista Tony Kushner (também ignorado), tenha ido longe demais ao revelar a essência da Realpolitik de Lincoln, que incluía distribuição de empregos entre congressistas. Ao ser adulto, Spielberg dançou.

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Mas não foi a única oportunidade perdida desta edição do Oscar. É possível que a mais grave diga respeito a um grande filme ignorado - O Mestre, de Paul Thomas Anderson, indicado a poucas categorias e derrotado em todas elas. Anderson, investigando as origens da cientologia, ajuda a compor o painel da América traçado por Lincoln, Django Livre, Argo e A Noite Mais Escura. Registra aquele momento em que os órfãos da guerra voltam para casa e não encontram mais lugar para viver. O personagem de Joaquin Phoenix é um desses filhos enfermiços da vida (expressão de Thomas Mann em A Montanha Mágica, para o seu personagem Hans Castorp), que acaba embarcando na primeira seita disponível para encontrar um ponto de referência. Mas O Mestre é um filme soturno demais para Hollywood. Complexo, contraditório, misterioso, até mesmo em sua estética, deve ter causado espanto nos acadêmicos. E rejeição.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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