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Uma geléia geral a partir do cinema

Um lugar aonde? No coração...

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Já havia visto (e gostado de) Um Lugar na Platéia, de Danièle Thompson, para o qual dei a cotação de 'bom' na breve crítica que fiz do filme no Caderno 2. Fui rever o filme ontem e gostei mais ainda. Deveria ter brigado por mais espaço e até dado uma cotação melhor (ótimo?). Danièle Thompson é filha de Gérard Oury, um dos reis da comédia popular francesa, a quem se devem os maiores sucessos da história do cinema no país, filmes como A Grande Escapada e As Loucas Aventuras do Rabi Jacob, com Louis De Funès e Bourvil. Danièle, quem sabe até para se afirmar, optou por uma linha mais intelectual. Consolidou-se como roteirista colaborando, entre outros, com Patrice Chéreau. Foi quem fez a belíssima adaptação de A Rainha Margot. Em 2000/2001, ela estreou na direção com Três Irmãs. Não, não era uma adaptação de Chekhov, embora o universo fosse próximo. Três irmãs reencontram-se no enterro do segundo marido da mãe. Uma mora com o pai, que não perdoa o que considera a traição da ex-mulher. Todo mundo machuca todo mundo para que Danièle Thompson, que escreveu o roteiro com o filho, Christopher, fale da necessidade de perdoarmos aos outros e a nós mesmos. O título original era La Bûche, o bolo de Natal, época em que se desenrolava a ação. Um Lugar na Platéia conta agora a história de Jessica, a deliciosa Cécile de France, que deixa a vida interiorana (e a avó) para tentar a sorte em Paris, na elegante Avenue Montaigne. No início ela não tem nem onde dormir. Trabalha num café, onde passa a conviver com artistas, gente de dinheiro. A estrela de TV faz Feydeau no teatro, mas sonha com o papel de Simone de Beauvoir num filme feito por um autor importante. O pianista adora sua arte, mas não agüenta mais a mundanidade burguesa que acompanha suas apresentações. Um colecionador, que tem problemas com o filho, desfaz-se de seus objetos de arte. O filho é interpretado por Christopher Thompson, filho da diretora e co-roteirista. É ressentido contra tudo e todos. Vai precisar perdoar o pai - e perdoar-se a si mesmo - para ser feliz com Cécile. Suzanne Flon faz a avó dela. Suzanne morreu logo após a filmagem. O filme lhe é dedicado. Nenhuma atriz recebeu homenagem mais bela. Ela tem frases lindas, sábias, que Danièle com certeza não deve ter escrito pensando que seriam a despedida da veterana atriz de teatro e cinema. Uma escultura de Bricusi, O Beijo, é essencial na trama. A arte participa da vida de todos, mesmo de quem admite não ter cultura (musical, teatral ou de visuais). A idéia de Danièle é que a arte nos enriquece, mas não substitui a vida. O título contém uma metáfora - o lugar na platéia não pode ser muito próximo nem muito distante para que o público possa ver todo o palco. Danièle também coloca sua câmera a uma certa distância dos personagens - nem invasiva nem muito próxima. É um filme lindo. Comentei hoje de manhã com meu colega Ubiratan Brasil e ele me catou O Globo, do Rio. Rodrigo Fonseca, com quem convivi bastante durante os dias do festival de Cannes, em maio, diz que o filme de Danièle virou o novo xodó do público no circuito de arte carioca. Acho que, em São Paulo, ainda não estourou. Havia o quê? Menos de meia sala no anexo do Espaço Unibanco, ontem à noite (na sala 4). Gostaria que vocês vissem e tivessem tanto prazer quanto eu tive assistindo a Um Lugar na Platéia. Uma arte para consolar, para nos reconciliar conosco e com a vida, como queria Van Gogh. E tem a cena em que o pianista interrompe o recital e se despe de toda formalidade para ser honesto com sua arte e consigo mesmo. Havia, em Três Irmãs, no meio daquele mar de ressentimentos familiares, uma cena linda - Sabine Azema cantava, acompanhada por Claude Rich ao piano (acho que era ele), Yidish Mamma. Danièle Thompson não é mole. É uma intelectual, mas, filha de um comunicador, não acredita no hermetismo. Filha de diretor, coloca o próprio filho à frente e atrás de suas câmeras. São coisas que me tocam muito. Um Lugar na Platéia não é o melhor filme do mundo, mas foi daqueles que eu saí do cinema querendo cantar, como Fred Astaire, I'm in heaven....

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