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Uma geléia geral a partir do cinema

Um instrumento do humanismo

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Tenho certeza de que já falei, aqui, da minha admiração por Walter da Silveira, crítico que descobri na biblioteca do Colégio Israelita-Brasileiro, em Porto Alegre, quando lá trabalhava, no começo dos anos 70. Um dia fui procurar o que havia sobre cinema nas estantes e encontrei aquele volume - As Fronteiras do Cinema -, com uma seleção de críticas de Walter na imprensa baiana. O que ele escrevia sobre Kurosawa, Resnais e Antonioni pode ter ficado datado, ao não acompanhar o desenvolvimento desses autores, mas os textos sobre Trono Manchado de Sangue, Hiroshima Meu Amor e a trilogia da solidão e da incomunicabilidade permanecem irretocáveis. O passeio que Walter da Silveira dá pela história do cinema é tão brilhante quanto sucinto e vai ser sempre referência para quem o ler e acreditar, como ele e sua geração - alguns de nós ainda acreditam nisso -, que o cinema é um instrumento do humanismo. Pois bem. Cheguei hoje na redação e encontrei na minha mesa um pacote bem pesado. Abri e encontrei os quatro volumes que o Funcultura e o Governo da Bahia estão editando em homenagem a Walter da Silveira, com organização e notas de José Umberto Dias. O título, Walter da Silveira - O eterno e o efêmero, sai do discurso dele de posse na Academia Baiana de Letras, em 1966. Como eopígrafe, há uma frase - Fiquem essas palavras para lembrança de meus pais na memória de meus filhos. Foi uma coisa que me tocou tanto que quase choro, ao transcrevê-la. Folheando ao acaso, encontrei na página 70 do terceiro volume o que talvez estivesse procurando, inconscientemente - Walter da Silveira entrevista Glauber Rocha. Os dois analisam Redenção, de Roberto Pires - e Glauber diz que o filme inventou a técnica e inventou a produção do cinema da Bahia; Roberto quase repetiu os Lumière na Bahia, ele acrescenta. Também discutem o barroquismo no autor de Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe, que Glauber define como seu filme baiano rodado no Rio. Glauber não se considerava barroco porque, como dizia, não queria estar preso a nenhuma escola ou tendência. Mas ele achava importante o sentido do barroquismo e dizia que sua tradição, inerente à baianidade, podia ser transmitida até o cinema. Vou procurar mais textos do Walter da Silveira sobre Glauber e/ou o Cinema Novo. Ainda estou sob o impacto da revisão que Nelson Pereira dos Santos fez de sua obra no Recife, negando sua vinculação com o Cinema Novo. Sabe lá o que vou descobrir agora pelo olhar de uma testemunha crítica (e privilegiada) daquela época. Mesmo que não descubra nada nesse sentido, vai ser bom reencontrar o pensamento de um grande crítico. A dedicatória, assinada pela filha de Walter, fala na lembrança do 'companheiro imortal' que ele, com certeza, foi.

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