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Uma geléia geral a partir do cinema

Tá chegando ao fim

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

BRASÍLIA - E eis que o filme de Júlio Bressane, Beduíno, é um dos raros sobre os quais posso falar. Passou ontem à noite, fora de concurso. Encantou-me, mas temo que vá ser mal-recebido por feministas de plantão. Alessandra Negrini, o corpo mais escultural do cinema mundial, aparece nua muitas vezes, usa sapatos de tacos altos e, para utilizar um jargão antigênero, é 'objetalizada'. Numa cena, fica de quatro e a câmera segue um trenzinho elétrico que passa pelo meio de suas pernas. A curva do seio de Alessandra, a da bunda, todo o corpo dela foi modelado por algum mestre renascentista. Já não se fazem essas mulheres de 'antigamente'. Alessandra me lembra a italiana Rossana Schiaffino, que não chegou a ser uma Sophia Loren, mas marcou os anos 1960. Ouvi hoje uma piada que reproduzo. Deve ser incorreta total, mas carrega um elogio e tanto. Se existe uma cura gay chama-se Alessandra Negrini. As coisas evoluem. Em Gramado, era - se existe cura gay chama-se Sophie Charlotte, a musa de Matheus Souza e Domingos de Oliveira. Que fique claro que nenhum dos gays que criaram a piada quer ser curado. Bressane discursou no palco, defendendo o método de produção de Beduíno. Não entendi direito o conceito, mas Bressane terá tempo de me explicar até a estreia. Ele evocou os velhos ateliês de pintura - quando ela ainda havia e os quadros eram produzidos por muitas mãos - e também pediu licença para falar sobre a intimidade de homens e mulheres. Alessandra e Fernando Eiras, dois de seus atores fetiches, formam o casal. O filme é sobre a imaginação, sobre a memória e o sonho. O casal representa-se, para representar a própria vida. O falso vira realidade. A realidade, o falso. E tudo num jogo de luzes quentes que cria a imagem sensorial - guardei só o nome de Pablo Bayão na fotografia. Walter Carvalho está na Globo, compartilhando a direção com José Luiz Villamarim. O curioso é que, nessa representação do masculino e do feminino, Bressane toca em algumas questões que estão no curta Bodas de Papel, que, pessoalmente, achei mais interessante que Demônia, que provocou uma explosão do público. Demônia é sobre uma mulher, grávida, que descobre que o marido pastor está tendo um affair com o primo, que usa a calcinha dela durante o ato. Nesse festival em que 'Fora Temer' virou mantra, os diretores Cainan Baladez e Fernanda Chicolet imprimem a cara do presidente no pastor demonizado. A plateia veio abaixo. Não me impressionou, e não por terminar num barraco chulo, frente às câmeras da TV. Meus curtas preferidos são Constelações, de Maurílio Martins, e Procura-se Irenice, de Marco Escrivão e Thiago B. Mendonça, que gostaria de ver premiados, mas também gostaria que Breno Nina fosse melhor ator da categoria por Bodas, que ele escreveu e codirigiu (com Keyci Martins). A subversão da cultura do estupro. O macho é violentado pela fêmea. Imaginário sadomasoquista. O horror, o horror, mas o ator é ótimo. Duvido que ganhe. O filme está sendo demolido por sua 'incorreção'. Hoje em dia, o artista só pode violentar o mundo burguês dentro de uma pauta política pré-estabelecida. Pergunto-me sempre se um Glauber se sujeitaria a isso. Teríamos debates bem mais calientes, acho. O festival termina hoje à noite, com a entrega dos Candangos. Nosso júri de longa entrou pela madrugada. Cheguei ao quarto às 4 da manhã. Poucas unanimidades, mas consenso. Amanhã volto para casa e, à noite, já tenho programa - a estreia do Peer Gynt de Gabriel Villela, reinaugurando o Teatro do Sesi, aí no prédio da Fiesp, na Paulista.

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