Foto do(a) blog

Uma geléia geral a partir do cinema

Sean Penn jornalista

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Espero que tenham lido, na capa do 'Caderno 2' de hoje, a brilhante resenha de Antônio Gonçalves Filho sobre o novo livro de J.G. Ballard, 'O Reino do Amanhã', em que o autor de 'Crash' e 'Império do Sol', que viraram filmes de Cronenberg e Spielberg - o primeiro chamou-se no Brasil, como foi mesmo?, 'Mórbidos Prazeres' -, prevê um futuro sombrio para a humanidade, no qual consumismo e fascismo rimam à perfeição. Só que o 'Caderno 2' deste sábado, que já vai terminando, trouxe também uma tradução do 'The New York Times', um texto de Roger Cohen, em que ele conta que iniciou o ano assistindo a 'Milk', tecendo loas ao filme de Gus Van Sant e à interpretação de Sean Penn, que define como sendo de tirar o fôlego, no papel de um político inteligente, sarcástico, defensor dos direitos dos homossexuais e cuja eficiência e extravagância provocaram um ódio assassino. Tudo isso está no primeiro parágrafo, que tem um só frase (longa). O restante do texto é um pau sem fim em Sean Penn, que foi a Cuba, encontrou-se com Raul Castro e, de volta aos EUA, deu uma de jornalista, publicando sua 'entrevista' como reportagem de capa no 'The Nation'. Cohen espinafra o ator porque, segundo ele, o tributo ao presidente cubano mostra como parte da euro-esquerda não consegue se libertar do culto aos Castro. Como este ano se comemoram os 50 anos da revolução cubana, vocês podem estar certos de que o assunto vai voltar várias vezes. Cohen tem lá seus parti-pris e sua argumentação pode ser considerada tendenciosa, mas ele diz algo relevante - o filme é sobre um cara que foi sacrificado por sua luta pelo direito dos gays e Penn, bajulando Raul, perde a chance - ou se 'esquece' - de lembrar que a revolução cubana mandava homossexuais para os campos de trabalho para corrigir suas tendências 'contrarrevolucionárias' (como nos lembrou o filme de Julian Schnabel com Javier Bardem como o escritor Reynaldo Arenas, agora sou eu acrescentando). O que fez Cohen ficar puto foi uma frase de Penn na matéria, dizendo que essa foi a primeira entrevista concedida por Raul Castro a um jornalista estrangeiro em 50 anos. Sean Penn não é jornalista, é ator. Um jornalista talvez não tivesse ficado tão fascinado e até 'comprometido' com o personagem. Sei que a postagem desse texto presta-se à polêmica, mas o que me interessou foi o último parágrafo do texto de Cohen. 'Os anos Bush nos ensinaram os perigos do amadorismo e quanto a liberdade é preciosa'. Acho que se trata de uma definição sucinta, e perfeita, dos últimos oito anos da vida norte-americana, a malfadada herança de Bush Jr., ou de 'W', como o chama Oliver Stone, que já vai tarde (Bush, não Stone). O texto de Cohen continua. Ele usa a crítica ao amadorismo da era Bush para espinafrar Penn - 'O seu jornalismo despreza essas lições, mesmo quando a sua brilhante interpretação as ilumina.' Ainda não vi 'Milk', mas embora não seja o maior admirador de Gus Van Sant, não me admiraria se o ator vencesse amanhã (ou hoje, já) o Globo de Ouro. Ele está concorrendo, não? Torço por 'Benjamin Button' e por Brad Pitt porque já vi o filme de David Fincher e tive a epifania que vocês sabem, mas o texto de Roger Cohen, mesmo considerando perigosa a viagem 'jornalística' de Penn a Cuba, é mais um baita elogio que ouço a 'Milk'.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.