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Uma geléia geral a partir do cinema

Os emigrantes

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Festivais de cinema às vezes são engraçados. Ouço dizer que Still Life, do Jia Zhang-Ke, só ganhou em Veneza porque havia sei lá que divisão interna do júri e foi preciso buscar um tercius. Um dos preferidos era Novo Mundo (Nuovomondo), de Emanuele Crialese, que, no loteamento de prêmios promovido pelo júri presidido por Catherine Deneuve, levou o Leão de Prata de revelação, o que causa no mínimo estranhamento, já que o diretor está longe de ser um novato (dirigiu Once We Were Strangers nos anos 90 e Respiro, que já havia sido premiado em Cannes, há quatro ou cinco anos). Tirando o fato, o filme é bom e eu, na verdade, gostei bastante, mas não sei se entendi direito o ponto do diretor. Crialese conta a história desta família siciliana que decide fazer a América, no começo do século passado, atraída pelo que parece um sonho - um país de galinhas gigantes, de rios de leite e onde o dinheiro dá em árvores. A primeira parte é, por assim dizer, a vida na Sicília, com toda a sua dificuldade e o misticismo centrado na figura da mãe. A segunda seria a travessia do mar e a terceira, a chegada aos EUA e o difícil processo de admissão no Novo Mundo. Quando digo que não entendi direito foi pelo seguinte - não sei se o Crialese quis fazer um comentário crítico sobre a dificuldade de admissão nos EUA de Bush, hoje em dia, ou se, inversamente, quis lembrar que a Itália foi um país de emigrantes, mas hoje renega o próprio passado e fecha suas fronteiras a emigrantes que chegam do antigo Leste europeu ou da África. É raro o filme italiano onde não existe, hoje em dia, um albanês clandestino ou que tenta entrar na Itália. Talvez seja as duas coisas. Novo Mundo tem personagens fortes e momentos emocionantes. Confesso que me comovi com o irmão surdo/mudo, com a despedida dele do asno (que me lembrou Platero e Eu - Ave Maria!) e o que ocorre no desfecho, mas o tempo todo fiquei me lembrando de Os Emigrantes, que o Jan Troell realizou no começo dos anos 70 e era ainda mais duro e rigoroso (sem o fantástico do Crialese). Novo Mundo é bom. Eu só não teria a hesitação do júri veneziano. Votaria logo no Still Life, do qual gostei mais.

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