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Uma geléia geral a partir do cinema

O drama, diante da câmera

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Todo ano dou uma passada pela Livraria Inglesa, em Cannes. Encontro sempre coisas interessantes. Este ano foi um livro da Faber e Faber, de Londres, chamado De Toth on The Toth - Putting Drama in Front of the Camera. Quando Andre De Toth morreu, em novembro de 2002, tive de brigar para lhe garantir um bom espaço de necrológio no jornal. Pouca gente conhecia De Toth. Era o quarto caolho de Hollywood, com John Ford, Raoul Walsh e Fritz Lang. Essa 'disability', como diz o autor do livro - Anthony Slide -, não o impediu de ser um dos diretores com mais conhecimentos de técnica, de toda a história de Hollywood. Há um capítulo inteiro no qual De Toth disseca a técnica do 3-D (e que ajuda a entender porque O Museu de Cera, de 1953, é considerado o melhor filme em terceira dimensão). De Toth, húngaro de nascimento, virou diretor de ação. Fez filmes noir, westerns, thrillers, aventuras exóticas. Seus westerns com Randolph Scott são hoje reconhecidos como ótimos e lendo o livro - de um jato, na viagem de volta - descobri o que não sabia. De Toth foi quem escolheu os cenários para Lawrence da Arábia, de David Lean. Ele conta a cena-chave em que Omar Sharif aparece lá no fundo da tela e sua imagem vem crescendo, como uma miragem no deserto. Sempre achei que a cena havia sido filmada no deserto, no próprio Sahara. Que nada! Foi em Almeria, na Espanha, onde também foi reconstituída cidade de Aqaba. De Toth conta que foi ele quem filmou a cena de Peter O'Toole, contra o sol, esvoaçando sua túnica branca no alto do trem. David Lean não via utilidade na cena, mas foi persuadido por De Toth e pelo diretor de fotografia Freddie Young a deixá-los tentar. Lean gostou tanto que incorporou a cena à montagem final. De Toth dá um testemunho muito interessante sobre o grande diretor. Diz que David Lean foi um dos homens (e artistas) mais reservados que conheceu em sua carreira. Era tão reservado que se constituía num enigma para todos, inclusive para ele próprio. Esse De Toth diretor de segunda unidade colaborou, sem crédito, no primeiro Superman, de Richard Donner. Um dia, De Toth foi contactado por um executivo da Warner. Dois terços do orçamento do filme já haviam sido consumidos e Superman ainda não voara. Voou com De Toth e os técnicos de efeitos que trabalharam com ele. O formato do livro é de entrevista. Por que de Toth não tem crédito em Superman, pergunta Anthony Slide? Créditos não valem nada. Mais importantes são as boas memórias, ele responde. Poderia ser o título do livro, embora Putting Drama in Front of the Camera seja muito bom (e dê uma idéia da preocupação que ele tinha com a dramaturgia, mesmo trabalhando com filmes de gênero). Este é o tipo do livro que nunca vai ser editado no Brasil. É pena, porque ajudaria a resgatar De Toth. Por melhor que tenha sido, ele permanece como relíquia de alguns poucos aficionados.

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