Foto do(a) blog

Uma geléia geral a partir do cinema

O Caminho da Esperança

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Jean Renoir foi o grande precursor do neo-realismo e não apenas por ter realizado Toni em cenários naturais, com a participação de atores não profissionais, ou por ter introduzido Luchino Visconti no mundo do cinema, antes que ele fizesse o filme que foi um marco, ou o marco, do movimento - Obsessão, em 1942. Renoir, com A Grande Ilusão, às vésperas da 2ª Guerra Mundial, também criou a utopia do mundo sem fronteiras, na qual viajaram tantos autores neo-realistas. Ontem fui (re)ver O Caminho da Esperança, de Pietro Germi, no ciclo Olhares Neo-Realistas, no Centro Cultural Banco do Brasil. A cópia era um horror de precária e o próprio filme, sob múltiplos aspectos, ficou datado, mas adorei rever O Caminho da Esperança. Aliás, foi como se estivesse vendo o filme pela primeira vez. Lembrava-me de cenas como a da siciliana que se perde na grande cidade, procurando seu homem, e da luta de faca, na estrada, mas o resto ficara muito bebuloso, porque vi O Caminho quando era guri, em Porto Alegre, em meio a uma enxurrada de westerns e filmes de aventuras que formavam o programa duplo nas matinés de domingo, no velho (e hoje extinto) Cine Rival. O neo-realismo teve muitas etiquetas, ou algumas, pelo menos. Foi social com Rossellini, Visconti e De Sica, róseo com Luigi Comencini e pode-se dizer que foi romântico, com Germi. O Caminho tem toda uma base fortemente realista, contando a história desse grupo de meridionais que vende tudo na terra natal e parte em busca de melhores condições no exterior. No caminmho, são traídos e abandonados, mas não desistem. O final é quase um repeteco da lição de Renoir em A Grande Ilusão. As fronteiras são invenções dos homens, a terra é uma só. O grupo, salvo aqueles que ficaram pelo caminho, chega pertinho do seu destino. Ali, do outro lado, está a França. Surgem os guardas. Todo o esforço terá sido em vão? O olhar do menino sensibiliza um dos guardas, que os deixa passar. Apesar de toda a origem realista, o filme é uma fantasia romântica. E permanece bonito, com todos os seus defeitos, que o tempo fez crescer. O que mais me comoveu foi o olhar calmo do jovem Raf Vallone e a beleza rude, com seus grandes olhos, de Elena Varzi. Imagino que todo autor busque a perfeição em sua arte, mas o que mais nos atrai em determinados filmes é a imperfeição, o defeito. Rossellini não se importava de incorporar a imperfeição. Germi tinha um olho plástico para a composição dos planos. Buscava criar uma montagem 'musical'. Hoje, muitas de suas cenas parecem primitivas, mas nada é ridículo. Apesar dos riscos, dos cortes na cópia caindo aos pedaços, gostei de (re)ver O Caminho da Esperança e espero que os meus companheiros na sessão de ontem, no CCBB (havia um público razoável para uma sessão às 17 horas de domingo), tenham gostado, também.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.