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Uma geléia geral a partir do cinema

Motta

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Não comentei a morte, no finalzinho do ano, de Carlos Maximiano Motta, ex-crítico do Estado, a quem terminei substituindo, ao chegar em São Paulo. Fui diretamente, no fim de 1988, para a revista Imprensa, mas aquilo era como a paisagem da Lua, para mim. Nunca tive muito interesse pelos bastidores da imprensa e, portanto, era o homem errado naquele lugar. Em março ou abril de 1989 já estava no Estado, fazendo uma substituição de férias. Sempre encontrava o Motta nas cabines e ele era muito simpático. Creio que nunca conversamos de verdade. Apenas alguma troca de cumprimentos, comentários superficiais sobre os filmes que íamos ver (ou que acabávamos de assistir). Estava, creio, ligado a Rubens Ewald Filho, tendo feito alguns volumes da Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial, incluindo o dedicado a Rubem Biáfora. Procurei no arquivo do Estado e encontrei, na pasta do Motta, uma foto dele, ainda jovem, com o Biáfora, figura lendária da crítica paulista. Motta chamou seu volume sobre o Biáfora de Sem Medo de Ser. Biáfora, a quem não cheguei a conhecer, não rezava pela cartilha do neo-realismo nem do Cinema Novo - embora o Glauber tenha feito grandes elogios a O Quarto, que ele dirigiu, nos anos 60, com Sérgio Hingst. Walter Hugo Khouri, que foi um dos 'Biáfora's boys', dizia que eles eram todos chamados de suecos, porque curtiam Bergman, os nórdicos em geral e o cinema japonês, quando a moda, ou a palavra de ordem, era um cinema mais social, menos existencial. Queria saber em que ano o Motta entrou no Estado e procurei no arquivo do jornal. Seu primeiro texto data de setembro de 1965, sobre o filme A Dama do Cachorrinho, de Yossif Kreifitz. No começo dos anos 60, apesar do degelo que atingia o cinema da URSS, o país, ou a união das repúblicas, continuava produzindo adaptações literárias. A do Kreifitz para o original do Chekhov era uma das mais bonitas. Me lembro da dama caminhando ao vento, numa amurada junto ao mar, uma imagem que, na minha memória, de alguma forma e não me perguntem por quê, está associada aos grandes filmes do Zurlini, A Moça com a Valise e A Primeira Noite de Tranqüilidade. Em Porto Alegre, Paulo Fontoura Gastal, o Calvero, adorava A Dama do Cachorrinho, o que era motivo de escárnio para a minha geração. Sábio Gastal! Enfim, foi-se o Motta. Morreu de câncer, que se manifestou, segundo me informaram, em setembro. Tudo muito rápido, mas a lembrança do que o Motta escreveu permanece viva nos arquivos do jornal. A Coleção Aplauso bem poderia dedicar-lhe um volume próximo.

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