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Uma geléia geral a partir do cinema

Misa Criolla

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

BUENOS AIRES - Daqui a pouco estaremos indo para o aeroporto. De Ezeiza, voo paras Porto Alegre e Dib Carneiro volta para São Paulo. Amanhã, é o aniversário de minha ex e a Lúcia também voa de São Paulo para Porto, para comemorarmos a data. Foi uma curta estada em Buenos Aires, mas gostosa. Queria ter ido à Boca, ao Tigre (de trem). Não fomos. Fiz meu passeio mais tradicional aqui, a cena-show do Viejo Almacén. Mas sem Edmundo Rivero nem Virginia Luque, o Almacén perdeu muito de seu encanto. Os novos tangueros não me convenceram, os bolivianos não são melhores que os que se apresentam todo dia na Praça da República. Sobraram os números dançados. O tango é muito sensual, não me canso de ver. Comprei muitos livros, como disse, voltei à Calle Florida e às Galerias Pacífico da minha juventude, fomos almoçar em Puerto Madero. E vi filmes. Jean-Luc Godard, Adeus à Linguagem, e o Perro Molina. José Celestino Campusano fez o mais brasileiro dos filmes argentinos recentes. Brinco, mas o cinema argentino é muito urbano, de classe média. Campusano renova com uma tradição que remonta a Alfredo Birri e Leonardo Favio. Los bajos fondos, as desigualdades sociais, a violência física. Molina é um pequeno criminoso. Vai fazer um, favor a uma amiga, mas as coisas não saem exatamente como ele planejava e o Perro se envolve na disputa de um casal. Um investigador corrupto de polícia cuja mulher, por vingança, vira puta. E tudo se passa num pueblo, num lixão. Uma pegada de Beto Brant, do tempo em que ele era bom, Os Matadores. Uma terra de ninguém, fronteira das almas. El Perro Molina começa muito desequilibrado, com interpretações que parecem amadoras, mas de repente engrena e vira uma loucura. Tem um louquinho que vive no lixo e que o investigador transforma em seu matador. O carinha é a versão jovem do Perro. Parece cachorro louco. Mata por placer. Gostei. Mas a cereja do bolo dessa curta vinda a Buiednos Aires foi fornecida por uma nota que li no jornal. Depois de apresentar a Misa Criolla no Vaticano, para o Papa Francisco, o filho de Ariel Ramirez comemorou os 50 anos da imortal criação de seu pai apresentando a missa nas escaleras da Biblioteca Nacional. Não conhecia o prédio, e até fiquei de procurar o arquiteto, mas não fiz a pesquisa. Como em Puerto Madero e certas áreas de Recoleta, onde ficamos, é a Buenos Aires que permanece chic, mesmo que a desigualdade apareça aqui e ali. Faz muito tempo que descobri a Misa aqui mesmo em Buenos Aires, numa viagem com a Doris. Não há 50 anos, mas uns 45. A missa, com seus instrumentos criollos. O Kyrie (Señor, ten piedad de nosotros...), a Gloria (Gloria a Diós, en las alturas y en la tierra, paz a los hombres/Paz a los hombres). Dividida em duas partes, a Misa Criolla foi um belíssimo espetáculo. Havia gente pelo ladrão. Velhos representantes da geração poncho e conga. Gente que, como eu, aparentemente não desiste de acreditar que um outro mundo é possível. No intervalo, houve um show com folcloristas lembrando Ariel. Ninguém falou em Eduardo Falu, mas na foto projetada no telão estavam os dois parceiros. E, no telão, houve o momento sublime. Mercedes Sosa, La Negra, Ariel ao piano e Alfonsina y el Mar, de outra imortal criação do compositor, seu disco dedicado às mulheres argentinas. Só aquilo valeria a viagem. Tive uma epifania. Voltamos a Recoleta, aos bares ao redor do hotel. Chovia, uma chuva fina. Bom para encher a cara e recordar. O dia amanheceu lindo. Como diria JK, lindo para voar.

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