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Uma geléia geral a partir do cinema

Mike Leigh

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Prometo voltar ao assunto Soderbergh, que me interessa desenvolver. É um diretor que me desconcerta. Começou ousado, foi ficando cada vez mais irregular e, num certo sentido, tradicional (exceto pelo Traffic), mas sinto que o Soderbergh tem um projeto. Essa coisa de voltar ao passado é bem real. Insisto que, às vezes, me parece uma vontade de subverter, desde o interior, os códigos do cinemão. Agora, quero falar do Bourne. E, antes do Bourne, do Mike Leigh. Na quarta, na hora de fazer o destaque para o Guia do Estado, não encontrei muita coisa interessante (ou que já não tivesse abordado). Topei com a revisão que o HSBC Belas Artes está fazendo da obra do Leigh e meu destaque foi para Garotas de Programa, que é o filme desta semana, um pouco pelo diretor, mas também para falar sobre Catrin Cartlidge. Achava a Catrin sensacional e sua morte precoce foi uma coisa que me deixou passado. Ela fez vários filmes importantes, com autores como Milcho Manchevski e Lars Von Trier, mas eu amo a Catrin especialmente em Claire Dolan, do Lodge Kerrigan. Aquele retrato de uma prostituta é tão rigoroso, tão bem filmado, tão minimalista - e a atriz tão impressionante -, que guardo uma lembrança muito forte do filme. Kerrigan já havia feito Shaven, que também era bom. Imagino que, se for procurar na internet, descobrirei que o cara continua na ativa, mas e os filmes dele - por que não chegam mais? Enfim, Catrin é uma das garotas de programa do Mike Leigh e o título brasileiro não faz jus, exatamente, ao original, que é Career Girls. Mike Leigh é outro autor que me desconcerta, mas por motivos bem diferentes do Soderbergh. Fiquei chapado quando vi Naked, com David Thewlis, em Cannes, e o filme ganhou os prêmios de direção e interpretação masculina. Leigh voltou a Cannes com Segredos e Mentiras e ganhou a Palma de Ouro e o prêmio da crítica. Desde então, ele não faz nada que me convença muito. Apesar de Imelda Staunton, ou por causa dela, não gostei de O Segredo de Vera Drake. Tive a sensação de estar vendo uma caricatura da classe média inglesa - para forçar a barra, Vera Drake me pareceu meio que Os Simpsons de Mike Leigh. É um diretor realista, cujo método baseia-se na observação e na improvisação, mas vendo o filme eu pensava - de que planeta veio essa gente? Desde então, meio que parei com Mike Leigh e ele me cansa por antecipação, mas ontem à noite, convidado por um amigo, fui ver A Festa de Abigail na Cultura Inglesa, ali em Pinheiros. Não sabia da peça, porque senão teria me referido a ela no destaque sobre Garotas de Programa. A Festa de Abigail é uma peça que Leigh escreveu nos anos 70. Trata de casais, de relacionamentos e me pareceu ser uma súmula do que, para mim, é o defeito de Vera Drake - outra caricatura da classe média. Acho que o diretor Mauro Baptista Vedia investiu fundo no elenco e os atores fazem o que o próprio Mike Leigh exigiria dele. A voz da personagem Beverly - uma coisa intencional, que deve destruir as cordas vocais da atriz Ester Laccava - foi me produzindo uma irritação que eu não via a hora de terminar. Se o objetivo era irritar, bravos, o espetáculo conseguiu, mas eu já passei dessa fase. Não basta ser bem feito, e acho que não é - falta ritmo no espetáculo; cada frase me parecia que tinha uns 15 segundos para a gente digerir; foi outra coisa que me deu irritação; eu sentia, metaforicamente, as palavras caindo no chão. Não basta ser crítico, e o espetáculo quer ser. Penso no grande e velho Van Gogh, que queria pintar para consolar. (Cito Van Gogh porque ele é referido no texto e é uma boa comparação.) O cinema que eu gosto tem de me dar algo mais. O teatro, também. Uma compreensão do outro, não apenas uma caricatura. Engraçado - A Festa de Abigail não tem nada a ver com Deserto Feliz, mas me lembrou muito o filme que revi em Gramado. O fato de reconhecer, tardiamente, o que o filme de Paulo Caldas tem de bom não me reconciliou com ele. Também não consigo mais me relacionar com Mike Leigh, mas Career Girls tem Catrin Cartlidge e a simples presença da atriz impede o filme do HSBC Belas Artes de virar a caricatura dos sonhos de uma geração.

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